Com o desafio de apresentar, de forma resumida, um panorama do que vive o Brasil e o mundo neste conturbado 2025, o convidado do Soberania em Debate de 10 de julho traduziu muito do fôlego renovado que atravessou a esquerda brasileira nas últimas semanas. O sociólogo e professor, autor de 23 livros de sociologia, geopolítica, história e marxismo, Lejeune Mirhan oferece um olhar que atravessa as dores de profundas transformações geopolíticas que geram, elas próprias, a consolidação dessas mudanças.
A taxação norte-americana de produtos importados do Brasil se insere nesse contexto como sintoma de algo bem maior do que as balanças comerciais brasileira e americana. Fala muito mais do crescimento do poder representado pelo BRICS no mundo e da agonia de um império norte-americano em decadência.
“O ódio que gerou essa tarifa de 50% é ao BRICS, canalizado no Brasil e no presidente Lula, líder do grupo. Não aconteceu para defender Bolsonaro. Será um problema para a nossa economia, momentaneamente, pois exportamos em torno de 40 bilhões de dólares para os EUA em produtos agropecuários e aço. Esses produtos vão ficar no Brasil, podendo baixar o preço de vários itens. O agro está bufando de raiva contra o bolsonarismo. Trump ajudou a reeleição do presidente Lula, que sai fortalecido do processo. A partir de agora, ele conseguirá com maior facilidade liderar o conjunto de forças em torno de si para a chapa de 2026”, aponta Lejeune.
O recado mandado por Trump ao grupo que já corresponde à metade do PIB — e da população total — do planeta, no entanto, aproveitou para posicionar a extrema-direita fascista norte-americana quanto ao trabalho da Justiça brasileira no caso da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro. Para o professor, Trump busca fortalecer a família Bolsonaro no Brasil, onde são os representantes da rede mundial fascista da qual o próprio Trump faz parte. Eduardo Bolsonaro, nesse cenário, sai como aquilo que é: um traidor da Pátria.
Quanto à atuação do BRICS, o professor destaca que o documento final da cúpula do grupo, neste mês de julho, surpreendeu positivamente.
“O documento foi além do que eu esperava. Ele é abrangente e trata de questões ambientais, de inteligência artificial etc. É resultado de um consenso alcançado por diplomatas muito competentes, que foram capazes de chegar a um documento que representa o entendimento de onze países”, destaca.
Multipolaridade, genocídio e a Guerra dos 12 Dias
Vivemos tempos de mudanças profundas e, consequentemente, das dores causadas por essa transformação. Ela não começou ontem. O processo de multipolarização do mundo alcançou um ponto de não retorno, segundo o professor Lejeune, em 2001, com a fundação da Organização de Cooperação de Xangai. O nascimento dos BRICS, em 2009, cristalizou esse cenário. Superada a unipolaridade, os EUA seguem sendo um dos polos geopolíticos, mas precisam lidar com outros polos: na Rússia, na China, na Índia, no Brasil. Suas cerca de 830 bases militares espalhadas pelo mundo e seu orçamento de 1 trilhão de dólares para armamentos não foram capazes de evitar a perda da hegemonia e, hoje, sua manutenção é fator preponderante na decadência do império.
Neste cenário, fica cada vez mais óbvia a incapacidade norte-americana de controlar Israel e seus sonhos de domínio e genocídio. Sem muita escolha, os EUA não embarcam na guerra contra o Irã, embora sigam apoiando o genocídio do povo palestino em um sistema que evidencia que é Israel, e não os EUA, quem manda na política externa norte-americana.
“Trump não autoriza o ataque ao Irã, mas Israel ataca ainda assim e exige que os EUA entrem no conflito. Como isso seria desmoralizante para alguém que vem repetindo que terminaria todas as guerras e não faria nenhuma, ele entra como se não entrasse: faz um bombardeio de faz de conta, que só destruiu carcaças. O Irã impôs o cessar-fogo e Israel pede que Trump o articule porque já não estava aguentando o ataque”, explica Lejeune.
Na matemática, a posição de Israel fica bem explicada: seus sistemas de defesa — o Iron Dome, os dois sistemas Arrow, a Funda de Davi e o sistema Raphael — precisam ser abastecidos com mísseis que custam milhões de dólares e vêm diretamente dos EUA. Para evitar os pesados ataques iranianos, eram necessários disparos seguidos que, aos poucos, foram esgotando estoques e inviabilizando economicamente a guerra. Com cerca de 4 mil mísseis, o Irã disparou cerca de 400 para forçar o cessar-fogo patrocinado por Trump.
No que diz respeito a Israel, a menina dos olhos da política externa norte-americana, a questão é mais complexa. Após 77 anos de massacre, o genocídio promovido pelo governo Netanyahu finalmente rachou a aura de proteção e destino divino que cercava o sionismo até então — mas ele não irá parar.
“Netanyahu não pode parar. Está no DNA do sionismo o extermínio ou o deslocamento dos palestinos. O sonho sionista já matou, segundo a Naure, 400 mil palestinos — o correspondente a 5% da população. Agora, Netanyahu procura países que possam receber os palestinos. E anunciou que o sonho deles é comprimir os dois milhões de palestinos que viviam na Faixa de Gaza, de 300 km², no que era a cidade de Rafah, que está destruída, na fronteira com o Egito. Após dizimar meio milhão de pessoas, provocar uma diáspora palestina pelo mundo, agora querem limitar 1,5 milhão àquele pequeno espaço, e Israel ocuparia todo o resto”, aponta Lejeune.
Perspectiva para 2026 e além
No tabuleiro nacional, igualmente desafiador, a janela de oportunidade aberta pelo ataque trumpista pode representar um pleito mais tranquilo em 2026. Os Bolsonaro têm pouca ou nenhuma chance na disputa, e a direita está absolutamente desbaratada — mas ainda há dúvidas no ar, como aquela que diz respeito aos destinos do MDB, o centro clássico da política brasileira. Segundo o professor, Simone Tebet pode ter um papel importante nessa equação.
“Há um provérbio popular que diz: ‘nunca bata tanto a ponto de não poder compor e nunca bajule tanto a ponto de não poder romper’. O MDB passou desse limite. Hoje, quem manda no MDB é o protofascista Michel Temer, após um golpe. Não tem volta. Se por algum motivo as forças internas decidissem voltar ao presidente Lula e oferecessem Simone Tebet de vice, esse movimento desalojaria o PSDB facilmente. Seria uma mulher na vice-presidência, trazendo o MDB. Do outro lado, o PL tem 100 deputados. O campo da direita terá mais tempo que nós. Mas não vão conseguir se aglutinar em uma campanha única. Eles estão em dificuldade”, destaca.
O cenário com uma chapa Lula–Tebet, nas projeções do professor, contaria com o deslocamento de Geraldo Alckmin para São Paulo, onde o ex-tucano seria capaz de vencer Tarcísio de Freitas.
“O melhor hoje seria o presidente chegar para o doutor Geraldo e dizer que precisa dele em São Paulo. Que só ele pode tirar o fascista de lá. Ele, que já governou o estado quatro vezes, colocaria Mercadante como seu vice. Quatro anos depois, Mercadante seria governador de São Paulo e, em 2030, Geraldo Alckmin seria o candidato do nosso campo à Presidência da República”, projeta.
Independentemente do que virá no futuro, o cenário, agora, é favorável para a esquerda e para o enfrentamento ao imperialismo norte-americano, que perde força. Lejeune fala de um otimismo que se consolida, renovador, após derrotas seguidas, com Lula chegando fortalecido em 2026 e um BRICS cada vez mais representativo das economias e dos povos do planeta.
O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTube, todas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra.
O programa também pode ser assistido pela TVT, Canal do Conde, e é transmitido pelas rádios comunitárias da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias – Abraço Brasil.
Foto: Ricardo Stuckert/PR