Levantamento da Central de Atendimento à Mulher, Disque 180, mostra que as mulheres estão denunciando mais os casos de violência. O disque-denúncia do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos é a principal porta de acesso aos serviços que integram a rede nacional de enfrentamento à violência contra a mulher.
179 relatos de agressão por dia e mais de 32 mil ligações relatando a violência contra a mulher só no primeiro semestre do ano passado. Além de 634 mil atendimentos, de janeiro a outubro de 2015, 56% maior que o mesmo período de 2014, quando 406 mil vítimas foram atendidas.
Para a secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Junéia Martins, a violência sexista acontece pelo simples fato de ser mulher e mostra como o machismo ainda está presente na sociedade.
“A violência contra mulher acontece em casa, na rua e no local de trabalho. O movimento sindical tem que estar em parceria com os movimentos sociais e de mulheres e com o Estado para debater e formular políticas públicas. Isso faz com mais mulheres se conscientizem e tenham o direito de informação, que muitas vezes resultam em denúncias”, destacou a dirigente.
Rosangela Freitas que sofre violência doméstica há mais de 12 anos usou o serviço disque 180, conseguiu abrir um processo investigativo e agora está protegida pela Lei Maria da Penha.
Ela tem três filhos e trabalha como diarista e mora em São Bernardo do Campo, num apartamento que conquistou com a política de moradia da cidade, que registra o imóvel no nome da mulher, e diz que não separa porque o marido a ameaça de morte ao falar sobre o divórcio.
A última briga aconteceu quando ela chegou tarde do serviço e ele, já bêbado, mandou-a embora de casa. “Ele foi procurar as facas e quando viu que não estava na gaveta ele perguntou ‘você tem medo de mim, né, Rosa’?
“Quando vejo que vai chegando a hora dele chegar eu começo a esconder as facas, porque já sei que ele vai chegar bêbado”, diz. A pernambucana, casada há 18 anos, diz que cansou da violência e quer que outras mulheres conheçam a história dela e façam o mesmo, denunciem.
Essa é uma cena de uma novela real que esteve presente nas casas de mais de 52% das mulheres que morrem vítimas de violência. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o Brasil está na 5º posição num grupo de 83 países com a taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres.
“É mais fácil para mulher ligar para 180, primeiro porque é mais divulgado e ninguém vê a cara dela. Para uma primeira abordagem acho que é fundamental. As pessoas, que pensam em violência doméstica, pensam em delegacia. E a gente acha que esta lógica está errada. Porque nem sempre a mulher está pronta para ir na delegacia e o serviço nem sempre é o melhor”, explicou a psicóloga, especialista em questão de gênero, Marcia Valéria Pereira.
O Mapa da Violência 2015 traz um número ainda mais assustador. Entre 2003 e 2013, o número de vítimas do sexo feminino passou de 3.937 para 4.762, que representam 13 homicídios femininos diários.
Hoje no Brasil, homem que mata mulher pelo fato dela ser mulher é criminoso. A Lei do Feminicídio, sancionada pela Presidenta da República, Dilma Rousseff, em Março de 2015, altera o código penal para prever o crime como homicídio qualificado e inclui-o no rol dos crimes hediondos, com previsão de pena de até 30 anos.
Mas a Lei Maria da Penha de 2006, outra conquista da luta das mulheres, alerta que há outras formas de violência.
Para Marcia, a violência psicológica às vezes é mais danosa. “A violência psicológica não é aleatória, é uma violência consciente. Os agressores afastam a família e amigos da vítima e fazem ameaças de qualquer tipo para enfraquecer e diminuir a mulher”.
Marcia, que trabalhou por 15 anos em Casa Abrigo, ainda destaca que agressor vê a mulher como inferior e qualquer sucesso dela sem ele é um afronta. Ela também conta que é importante as mulheres vítimas de violência procurem o serviço especializado para as mulheres antes de ir na delegacia fazer o boletim de ocorrência. “As Casas de Referências para Mulheres, por exemplo, são estruturadas especialmente para atender estas mulheres e quando decidem fazer o BO elas estão orientadas”.
“A gente tem vários casos que as mulheres conseguem romper com essa situação, mas isso nunca aparece. A mídia só mostra desgraça. E isso serve para reforçar que a mulher não tem saída e dizer que a culpa é dela”, destacou Marcia.
A psicóloga criticou os programas policiais que passam durante a tarde nos canais abertos de televisão. “Os programas sensacionalistas de TV sempre mostram que a lei Maria da Penha não serve para nada, mostra que a mulher apanhou, fez BO e não aconteceu nada. Isso é para enfraquecer a política, não que a lei seja perfeita, mas a lei funciona”, finalizou.
Machismo e Racismo
Além da motivação em denunciar, o levantamento também revela outra face da violência. Mais da metade das denúncias foi de violência contra mulheres negras. Ao todo foram 58,55% das ligações, somando contatos por terceiros ou pela própria vítima.