Mudança não garante fim do fator previdenciário

Para Jardel Leal, o novo modelo não soluciona o problema das condições de trabalho

25/08/2015

“Quem consegue completar 35 anos de trabalho no Brasil hoje?” O questionamento vem de Carlos Jardel de Souza Leal, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socio-Econômicos (Dieese). Em meio a discussões fervorosas sobre as mudanças mais recentes do modelo de aposentadoria, Jardel questiona a falta de consulta ampla e popular à sociedade sobre o tema, que para ele envolve elementos bem mais complexos do que uma simples mudança de cálculo.

O economista ressaltou a rotatividade e a falta de estabilidade no emprego hoje. Na opinião dele, o novo modelo de cálculo da aposentadoria, que é considerado, para muitos, um avanço, na prática pode não representar uma mudança tão significativa sobre as condições de vida da classe trabalhadora. “Enquanto discutimos apenas a aposentadoria, não estamos olhando para as condições de entrada no mundo do trabalho, para as condições de trabalho e para as condições de permanência no emprego. Precisamos olhar para tudo isso.”

Desde a década de 90, a luta pelo fim do fator previdenciário sempre unificou o movimento sindical. Criado em 1999, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o fator previdenciário impôs duras perdas aos trabalhadores aposentados, cuja remuneração chegou a cair 40% por contribuinte, segundo nota recente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros.

Este ano, a presidenta Dilma Rousseff (PT) teve a oportunidade de, enfim, realizar o amplo desejo da classe trabalhadora e pôr fim ao fator previdenciário; no entanto, optou por vetar o Projeto de Lei de Conversão 4/2015, aprovado no Congresso, que introduzia a fórmula 85/95 como novo modelo de cálculo para aposentadoria. No lugar do PLC, a presidenta apresentou a Medida Provisória (MP) 676, que incorpora a fórmula 85/95 e prevê o aumento progressivo dos valores.

Com o novo cálculo, trabalhadores que atingirem o tempo mínimo de contribuição (30 anos para mulheres e 35 anos para homens) e tiverem a soma da idade com o tempo de contribuição igual a 85 (mulheres) e 95 (homens) conseguirão se aposentar com benefício integral. De acordo com nota do Planalto, o aumento desses valores de forma progressiva, previsto na MP 676/2015, leva em consideração o aumento da expectativa de vida e tem como objetivo garantir a sustentabilidade da Previdência Social. A partir de 2017, a fórmula ganha um (1) ponto a mais a cada ano até 2022, com exceção de 2018, que será ano eleitoral.

O modelo favorece uma parcela pequena de trabalhadores. Segundo nota técnica produzida pelo Dieese, a mudança incide principalmente sobre as aposentadorias por tempo de contribuição, modalidade que representa somente 27% do total das aposentadorias hoje. Os demais trabalhadores que não se enquadrarem na fórmula mas tiverem o tempo mínimo de contribuição continuarão se aposentando com a incidência do fator previdenciário.

Embora tenham marchado para Brasília pedindo que Dilma não vetasse a PLC, a contraproposta tem sido vista com bons olhos pelo movimento sindical brasileiro. No entanto, Jardel pontua que o novo cálculo possivelmente não resolverá o problema das injustiças sociais que atingem a classe trabalhadora e se tornam mais evidentes no momento da aposentadoria. “Talvez a questão não seja solucionada simplesmente por fórmulas. A questão é o próprio modelo de sociedade que nós temos”, avalia o economista Carlos Jardel de Souza Leal. “As pessoas precisam ser protegidas da entrada precoce no mercado de trabalho. Para isso, a educação pública de qualidade com a perspectiva de formação da cidadania é uma das questões que devemos colocar como prioridade nas nossas lutas.”
 

 

Essa reportagem faz parte do Jornal do Engenheiro (nº 186 – ano XVI – julho/agosto de 2015), disponível aqui.

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