Vito Giannotti: Comunicação e disputa de hegemonia

Em seu último livro, Vito apontou o jornal sindical como instrumento de luta

27/07/2015

 

“Os sindicatos, na disputa da cabeça dos trabalhadores e trabalhadoras, na disputa de hegemonia política com a burguesia, precisam afiar todas as armas e sair para a batalha”, defende Vito Giannotti nas páginas de sua última obra, publicada em 2014 pela editora Perseu Abramo, sob o título Comunicação dos Trabalhadores e Hegemonia. O livro sintetiza as principais bandeiras do escritor ao longe de décadas de dedicação ao tema da comunicação sindical.

O autor, que se tornou referência no mundo sindical pela defesa da unificação da imprensa sindical e pela democratização dos meios de comunicação, faleceu na última sexta-feira (24). Giannotti foi autor de mais de 20 livros nas áreas de comunicação e sindicalismo, além de inúmeros textos e artigos defendendo a comunicação sindical como um instrumento de luta dos trabalhadores, inclusive em várias publicações do Senge-PR.

Confira abaixo a última de suas várias contribuições ás publicações do Senge-PR. Trata-se de um artigo apresentando o livro Comunicação dos Trabalhadores e Hegemonia, disponível em versão digital na internet, e foi publicado na edição n.º 3 da Revista Diferencial, de dezembro de 2014 a fevereiro de 2015.

 

COMUNICAÇÃO DOS TRABALHADORES PARA A DISPUTA DE HEGEMONIA: UMA LIÇÃO HISTÓRICA*

* Vito Giannotti

O meu novo livro, Comunicação dos Trabalhadores e Hegemonia, no seu título deixa claríssimo seu objetivos: tratar da comunicação da classe trabalhadora e de sua luta pela hegemonia. Logo de cara diz que sua finalidade não é falar da comunicação no geral, mas centralizar sua atenção nos trabalhadores. E logo diz sua visão da função desta comunicação, hoje, em pleno século XXI: conquistar centenas, milhares, milhões para suas propostas, sua visão de mundo. Ou seja, convencer da necessidade de mudar, virar de cabeça para baixo este mundo. Colaborar na construção de um outro mundo, livre, solidário, a caminho do socialismo. E tudo o que se fala no livro é centrado na função da comunicação. O livro olha o hoje e se referencia no ontem. Pensamos na nossa história enquanto classe trabalhadora, e no futuro que temos que construir.

Na história das sucessivas formas de comunicação ao longo dos séculos, veremos que estas sempre foram o instrumento de comunicar o olhar de alguém sobre determinado fato. Um olhar de um indivíduo ou grupo social para mostrar e muitas vezes para convencer pessoas ou grupos de determinada visão. À medida que as formas de comunicação avançavam, fica cada vez mais nítido o objetivo de levar outros a pensar de uma determinada maneira. Para isto serviam, desde as pedras das cavernas, até inscrições em monumentos, imagens esculpidas até, mais recentemente, livros. Imagens, monumentos e inscrições das mais variadas formas e técnicas próprias de cada época sempre serviram para esta finalidade.

Quando, na Europa, surgiram e se multiplicaram as primeiras folhas impressas, com o famoso monge Gutemberg, séculos atrás, não se imaginava que estas fossem os antecedentes dos jornais. No século XVII começaram os primeiríssimos jornais que se firmaram como publicações regulares com o advento do sistema capitalista. Muitos pensavam que o jornal seria puramente um instrumento para informar. Nada mais. Mas, ao contrário, o jornal lido em círculos de interessados foi o grande instrumento de divulgação das ideias do liberalismo, base do capitalismo inglês, e dos ideais da Revolução Francesa de 1789.

Jornais para quê? Para informar? Claro, informar sobre navios que chegavam e partiam dos portos da Europa para o mundo. Informar as descobertas, os novos produtos e também noticiar fatos que se chamavam de amenidades. Mas isso era só o que aparecia. O objetivo de um burguês, dono de uma ou mais fábricas, ao fundar um jornal era bem outro do que informar. Era formar. Formar as cabeças, moldá-las. Como se diria hoje, ganhar “corações e mentes” do povo, da massa, dos exércitos. Enfim, da base da sociedade que os donos dos jornais queriam que aceitasse como natural, boa, justa e, sobretudo, imutável. O Século XIX, século do capitalismo industrial, precisava se legitimar. Precisava do “consenso”, como Gramsci teorizará no século XX.

Foi assim que, no século do capital, o jornal passou a ter um papel fundamental na difusão das ideias burguesas, isto é, dos valores. Legitimação da escravidão, naturalização das guerras coloniais para a Europa viver em paz. E difusão em alguns países das ideias republicanas da tal Revolução Francesa. Essa era a modernização apregoada. Isso era levar a “civilização” europeia para o resto do mundo “não civilizado”. Foi graças a ele, ao jornal, e à força dos exércitos que sempre iam junto com os jornais, que essas ideias e valores se tornaram dominantes. Ideias dominantes para garantir exércitos dominantes.

Tanto é verdade que, logo, os movimentos dos trabalhadores, os sindicatos e os partidos políticos que simpatizavam com os trabalhadores se preocuparam em fazer seus jornais. Para divulgar, difundir as ideias de sua classe e seu projeto de sociedade e de mundo. Na Inglaterra, país do capitalismo, se organizaram as “uniões”, como os sindicatos eram chamados. Nasceu um sindicato, nasceu logo em seguida o jornal sindical.

Na industrializada Alemanha, na passagem do século XIX para o século XX, em cada cidade com mais de cem mil habitantes existia um jornal local do Partido Social Democrata Alemão (SPD), o maior partido socialista do mundo.

Ao ouvir o nome do comunista italiano Antônio Gramsci, os que o conhecem, logo o associam com o jornal que ele fundou e dirigia, L´Ordine Nuovo, e depois com L´Unitá, órgão do partido que ele ajudou a fundar no distante 1921. Ainda hoje, em 2014, o jornal L´Unitá, órgão do partido que sucedeu à autoextinção do antigo Partido Comunista Italiano, o chamado Partido Democrático, se referencia em Gramsci. Ostenta no seu logotipo os dizeres: “L ´Unitá – Um jornal fundado por Gramsci”. Este era o peso de um jornal de esquerda, no caso, comunista, no começo do século XX.

Passando da Europa para o Brasil, veremos que, já em 1919, mesmo com uma classe operária pequena, existiram dois jornais diários: A Plebe, em São Paulo, e A Hora Social, em Recife. E por que essa classe, tão pequena, resolve fazer jornal? Para disputar sua visão de mundo com a burguesia que difundia a sua por vários meios. Por que jornais? Porque jornal era o que existia, na época, para disputar a hegemonia, como ensinavam e praticavam Lênin, Rosa Luxemburgo, Trotsky, Gramsci e tantos outros revolucionários da Indochina de Ho Chi Min ao Peru de Mariátegui.

Mas o jornal, hoje, é apenas um dos muitíssimos meios de comunicação que os trabalhadores podem usar. Ao longo do livro fala-se muito de rádio, televisão e em três capítulos da rede mundial, a internet, em suas inúmeras aplicações que os trabalhadores podem e devem usar. Cada meio da comunicação, para os trabalhadores, os de ontem, de hoje e de amanhã, deve ser uma arma para vencer a guerra da hegemonia. E, isso, sem ilusões com os nossos inimigos de classe. Essa é a mensagem central do livro.

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