Por Camila Marins (jornalista da Fisenge)
Mais do que mudanças, a população brasileira busca o aprofundamento da democracia. O segundo turno foi emblemático para a demarcação de dois projetos políticos para o país. De um lado o retrocesso bravamente derrotado. De outro, um projeto comprometido com mudanças. Após 12 anos de governo, houve muitos avanços, principalmente em relação à diminuição da desigualdade social e à ampliação de políticas de distribuição de renda. No entanto, é preciso mais. Dados do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) apontam que a composição eleita para o Congresso Nacional é a mais conservadora desde os tempos da redemocratização. Se, em 1984, o povo brasileiro clamava por “Diretas Já!”, passamos da hora de afirmamos, sem medo: “Constituinte Já”. Confira a entrevista com o ministro chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho.
– Dentre os pactos nacionais apresentados pela presidenta Dilma está a reforma política. Qual a importância desta reforma para o país?
A presidenta Dilma tem dito que a reforma política é a “reforma das reformas” e ela tem toda a razão. Ela é a chave para podermos seguir avançando e aprofundar as transformações sociais dos últimos 12 anos, com a aprovação de outras reformas, como a tributária, por exemplo. Há uma crise de representação no nosso sistema político, no qual a sociedade, em especial a juventude, não se vê representada no parlamento. As manifestações de junho de 2013 deram esse recado de forma bem clara. Isso leva a uma descrença nas instituições e na política como forma de transformação da realidade. E também faz com que as vozes de amplos setores não sejam ouvidas no Congresso. Nas últimas eleições, a bancada sindical foi diminuída quase pela metade, segundo levantamento do Diap. Em contrapartida, as bancadas empresarial e ruralista cresceram e ganharam força. Essa realidade é particularmente perversa quando vemos a subrepresentação de mulheres, negros, indígenas e outras minorias no parlamento.
– De onde vêm essas distorções?
Isso se deve às distorções do nosso sistema político e eleitoral, em especial o financiamento empresarial de campanha. Os candidatos, parlamentares e o próprio Executivo passam a ter uma dependência do capital financeiro, da indústria, da elite, através desse perverso financiamento empresarial de campanha. O poder econômico passa a colonizar o poder político, a democracia. Sabemos que o empresário não doa. O empresário faz um investimento quando ele entrega o dinheiro para uma campanha eleitoral, porque ele quer o retorno, por isso temos que nos libertar desse sistema. Isso é essencial, pois deturpa a representação do povo no Congresso e é o germe da corrupção. Inclusive, já se formou uma maioria no Supremo Tribunal Federal em torno deste entendimento. Também precisamos, por meio da reforma política, aprofundar os mecanismos de participação direta da sociedade nas decisões de governo.
– Por que a imprensa e setores conservadores travam críticas tão intensas?
Não temos como negar que o sistema como ele existe hoje privilegia determinados grupos sociais, políticos e econômicos, que não querem perder ou sequer ver diminuída a influência e o controle que detém sobre o processo eleitoral e a democracia brasileira. Por isso as reações contrárias e por isso a reforma política, especialmente o fim do financiamento empresarial, não avançou nos últimos anos.
– Teremos um dos congressos mais conservadores desde a redemocratização, como avançar na reforma política?
A chave para avançarmos é construirmos um intenso processo de participação e mobilização do povo brasileiro. A presidenta Dilma tem dito isso: “não haverá reforma política sem participação popular”. Vários setores vêm construindo uma saída para esse impasse, como a forte unidade construída em torno do plebiscito realizado em setembro, que conseguiu alcançar mais de sete milhões de brasileiros pregando a convocação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva para a reforma política. Outras entidades como OAB e CNBB estão firmes na coleta de assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular que vai na mesma linha: reforma política com o fim do financiamento empresarial de campanha.
– É possível a realização de uma Constituinte Exclusiva? Alguns setores acreditam que a possibilidade de uma constituinte pode abrir brechas para a retirada de direitos. Qual a sua avaliação?
É possível. Claro que há riscos, mas creio que uma Assembleia Constituinte exclusiva e limitada em seus poderes (não poderia mexer em outras regras da Constituição, como direitos sociais e trabalhistas, por exemplo, para não haver retrocessos) é viável do ponto de vista político e jurídico. E realizar a reforma política através de representantes eleitos exclusivamente para isso tem uma vantagem, que é a de que estes representantes não serão afetados ou terão seus interesses e mandatos em jogo com as mudanças das regras eleitorais. Isso propiciaria um ambiente de debate qualificado sobre o tema. Mas tudo isso deve ser debatido com a sociedade e penso que agora devemos juntar nossos esforços, nos unificarmos em torno do recolhimento de milhões de assinaturas para a apresentação do Projeto Iniciativa Popular de lei que estabelece a Reforma Política Democrática. Outra iniciativa unitária importante é demandar ao Supremo Tribunal Federal que conclua o julgamento sobre a inconstitucionalidade do financiamento empresarial de campanha. O placar já está 6 x 1 pela inconstitucionalidade desta prática.
– Qual a importância da participação popular?
A participação popular é central neste processo. Não conseguiremos avançar nas reformas que o país precisa, inclusive na reforma política, sem a mobilização e o engajamento da sociedade brasileira. A presidenta tem dito que é necessário algo como o ocorrido no período das “Diretas, Já!”, e se pegarmos a história brasileira, inclusive a história mais recente, veremos que as importantes transformações e avanços na democracia foram conquistados por meio da organização e mobilização do povo brasileiro. Não seria diferente com a reforma política.
– O governo pretende lançar alguma campanha didática para a sociedade sobre o tema?
A presidenta Dilma tem enormes desafios neste momento, dentre eles está a montagem da equipe de governo, a retomada do diálogo com o Congresso e com a sociedade no período pós-eleitoral, e, nesse processo, teremos de construir as estratégias do governo para avançarmos na reforma política, e o envolvimento da sociedade neste processo será essencial. Essa ideia de promover uma campanha é interessante e temos que considerar.