Fonte: Valor Econômico
Caro povo do Brasil: meu nome é Pedro. Vocês certamente me conhecem, pois fui um dos apóstolos de Jesus e o primeiro Papa. Dizem que sou santo, mas, eu mesmo não tinha certeza disso. Ultimamente meus colegas, alguns mais santos do que eu, andam dizendo que eu mereço o “posto” pela paciência infinita que tenho ao aturar as acusações das autoridades do setor elétrico brasileiro sobre falta de chuva. Aliás, nem sei por que recebi essa responsabilidade e não entendo essas rezas dirigidas para que eu faça chover ou parar de chover aqui e acolá. Não tenho esse controle fino que eles imaginam. A minha área de atuação é probabilística.
Vocês são bem grandinhos para saber que esse seu pedaço de planeta fica em área tropical, onde o clima é bastante imprevisível. Apesar dessas incertezas, vocês têm riquezas naturais que muitas outras áreas da Terra não dispõem. Se, com tudo o que têm ai, vocês não conseguem construir um sistema que gere eletricidade de forma confiável e barata, então vocês devem estar fazendo tudo errado.
Aliás, andei conversando com um grupo de famosos cuja opinião vocês devem considerar. Os doutores Ampére, Hertz, Faraday, Maxwell, Edson e outros opinaram sobre o caso. Todos foram unânimes em dizer que ficaram preocupados como vocês complicaram e encareceram um sistema relativamente simples. Afinal, essa é uma tecnologia do início do seu século passado. Já Benjamim Franklin não entendeu possíveis risadas dirigidas aos raios que ele tanto estudou. Ele acha que o assunto é sério.
Mas, voltando ao tema desta carta, parem de me culpar por possíveis racionamentos que vocês mesmo provocam! Afinal, um lugarzinho chamado Noruega tem a eletricidade produzida 100% por rios e, além de ser bem mais barata, não passa a penúria que vocês se impõem, de vez em quando. Eu nem precisaria me resguardar das acusações, mas, como sou santo, vou apresentar uns dados para que vocês se convençam da minha inocência.
As chuvas, que vocês candidamente acham que eu controlo, alimentam os rios e fornecem a energia natural para que as usinas produzam os quilowatts que vocês necessitam. Portanto, é bom cuidarem das matas ciliares e darem mais importância ao aquecimento global, porque essa energia será fortemente afetada. O que pode ocorrer é uma maior frequência de secas e enchentes, uma péssima situação para seu sistema.
Em média, com suas usinas de 2012, eu geralmente entrego por volta de 500 TWh na soma das quatro regiões. Nada mal se comparado ao consumo de 513 TWh de vocês. Afinal, vocês têm outras fontes de energia.
Em 2012, ao contrário do que as autoridades do seu governo dizem, por motivos que não posso controlar, só entreguei 436 TWh, 13% abaixo da média. Pelas rezas que recebo, até parece uma grande desgraça, mas valores nesse entorno já ocorreram em mais de 10% dos anos que constam nos seus registros.
Se vocês estão arquivando os dados, podem verificar que em 5% dos anos a energia natural esteve 30% abaixo da média! Isso sim é que é problema! Portanto, não aceito reclamações sobre 2012! Se eu, mesmo sendo santo, não posso saber o que virá em 2013, não entendo como é que autoridades garantem que não haverá problemas. Se até consultores de confiança do seu governo afirmam que o risco de racionamento não é nulo, é bom tomar cuidado com as promessas.
Para os que ainda acham que sou o culpado, saibam que apenas 36% do histórico da energia dos rios ficaram abaixo da média, ou seja, 64% estão na média ou acima! A distribuição é assimétrica. E mais: de cada cinco anos, um tem água igual ou maior que 20% da média! Quando isso ocorre, acho que nem posso dizer que fui eu, pois, pelo menos energeticamente, é uma dádiva de Deus. A pergunta que tenho é: Quem está se aproveitando dessas “dádivas”? Como é que vocês democratizam essa energia extra?
Mas, continuando minha defesa, como foram as minhas últimas “entregas” em relação à média? Antes dos 87% de 2012 que vocês tanto reclamam, vejam: em 2011 – 119%; em 2010 – a média; em 2009 – 117%; em 2008 – 97%; em 2007 -104%; em 2006 – 94%; em 2005 -108% e em 2004 – 108%. Ora, não venham me dizer que não conseguiram “guardar” alguma água que sobra de um ano para o outro, porque, daqui de cima estou vendo que os reservatórios não estão enchendo completamente. Portanto, algum espaço para guardar água ainda resta.
Eu nem deveria me intrometer para assessorar, mas, como sou santo, talvez vocês estejam sendo perdulários com a água estocada. A geração das hidráulicas (pouco mais de 70% das usinas), sempre muito alta, está muito estranha.
A maior fonte de energia são as hidráulicas? Claro! Elas são mais baratas, e parte dessa energia é da substituição pelas térmicas, que ficam como seguro. Mas, como é feita essa “transferência”? Quem pode “comprar” energia na “safra”? Como a tarifa é tão alta se quase todos quilowatts vêm da água? Nem santo entende esse modelo!
Há alguns anjos que estão por aqui desde o início dos tempos. Eles me contaram que, durante a criação do mundo, alertaram ao criador que esse pedaço da Terra que iria se chamar Brasil “largaria” com uma enorme vantagem depois da descoberta do eletromagnetismo.
– Senhor, a abundância hídrica e a diversidade hidrológica irão trazer uma enorme vantagem a esse povo. É uma injustiça com as outras nações que surgirão. Ao que o Criador, com um sorriso enigmático, retrucou: – É, mas vocês vão ver os modelos que eles vão adotar lá….
Queiram-me bem,
Simão, mais conhecido como S. Pedro.
Roberto Pereira D´Araujo é engenheiro eletricista, diretor do Ilumina (Instituto do Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico)