Fonte: Brasil de Fato
Um dos ramos do mundo do trabalho mais sujeitos à terceirização e mortes é o elétrico. Em grande parte, isso se deve ao processo de demissões e privatizações pelo qual o setor passou desde o final da década de 1990.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o presidente do Sindicato dos Engenheiros do Paraná, Ulisses Kaniak, explica como as terceirizações estão neste contexto de privatização, chegando inclusive às companhias estatais de energia: “Mesmo as empresas estatais têm um nível de terceirização muito alto. Para cada dez trabalhadores diretos na Copel do Paraná, seis são terceirizados”, afirma, comentando também as possibilidades de articulação do movimento sindical e popular em torno da Plataforma Popular Operária e Camponesa para Energia.
Brasil de Fato – Como está o quadro geral das terceirizações no ramo elétrico e quais as características específicas?
Ulisses Kaniak – Os dados que temos não são muito consistentes porque muita coisa acaba sendo maquiada em função da maior parte das empresas terceirizadas do setor estar registrada como empreiteira de construção civil. Diversos acidentes do setor elétrico com lesões graves e mortes são registrados dessa maneira. Quem fez esse estudo inclusive de forma mais recente foi a Fundação Coge, ligada a empresas do setor elétrico, um trabalho de 2009, em que alertava isso: eles buscaram dados reais das empresas e se notou que, na comparação de todas as empresas, quando elas eram estatais antes das privatizações, em 1997 e 1998, havia muito pouco nível de terceirização. Desde então, a quantidade de acidentes, especialmente com morte, aumentou muito. É uma prova de que a terceirização acaba gerando insegurança para os trabalhadores e um risco maior. Fala-se que, para cada morte direta no setor, há dez mortes de terceirizados e 100 mortes de terceiros, ou seja, de pessoas que tenham acidentes em rede caseira. Mas quem trabalha diretamente com energia são os primários e terceirizados do setor, então, comparando trabalhador com trabalhador, se vê que os terceirizados estão mais sujeitos ao risco. Mesmo as empresas estatais têm um nível de terceirização muito alto. Para cada dez trabalhadores diretos na Copel do Paraná, seis são terceirizados.
Isso se iniciou em um contexto de demissões, o que forçou as estatais a serem terceirizadas e também a aderirem às privatizações?
Era bem claro isso nos anos em que havia o risco de privatização. Reduziu-se o quadro próprio, para dizer que era uma empresa “enxuta”. Claro que passou a gastar mais com terceirização, mas em média se paga muito menos para um terceirizado do que para um funcionário próprio, e até isso é diretamente proporcional à quantidade de segurança que as empresas terceirizadas investem, e demais itens de qualidade de vida e trabalho dos trabalhadores terceirizados, que sempre é pior. Não é isso que nós queremos. Nós queremos trabalhadores qualificados fazendo essa função, sendo valorizados da mesma forma. Então se vê numa empresa de distribuição de energia, equipes distintas de trabalhadores, de contratação direta e os terceirizados, que fazem rigorosamente a mesma coisa, não há diferença, agora o quanto vai receber no final do mês o primário e o terceirizado, é uma diferença brutal.
Há algo no sentido de pensar esse processo de terceirização, articulando o ramo da energia como um todo nacionalmente?
Dentro da Plataforma Popular Operária e Camponesa para Energia, formada pelos movimentos sindical e social, como o MAB e o MST, já se tratou desse assunto numa reunião específica inclusive com o governo Federal, já foi feito esse alerta, através de uma apresentação do Dieese, que, a partir daquele estudo da Fundação Coge, agregou mais material que os próprios sindicalistas trouxeram, e demonstrou isso. Existe também lá na Plataforma essa preocupação não só em como fica o setor com as Concessões, mas para que se faça mais caso daquilo que está acontecendo. Isso não se limita ao setor elétrico. O setor de petróleo vive a mesma coisa.
De que maneira o processo de terceirizações dificulta a organização sindical?
Dificulta bastante porque em geral as empreiteiras que atuam terceirizando serviços não dão margem para a entrada de um sindicato do ramo eletricitário, por exemplo, dentro da empreiteira para ter contato com o seu pessoal, que deveriam estar representados pelo sindicato do setor onde atuam. Ainda estamos começando no setor elétrico a buscar mais contato com os sindicatos que os representam para que, por exemplo, numa negociação de uma empresa a gente consiga negociar também as condições para os terceirizados dessas empresas. Isso é um sonho que ainda não aconteceu.
Há casos de reversão do processo de terceirizações em determinada empresa?
Há na Justiça decisões para os dois lados. Na Justiça do Trabalho, até ter uma sentença final acaba demorando muito. Há questões na Celg [Distribuidora SA], de Goiás, e outra na Eletrosul. Aqui no Paraná, temos um procedimento no Ministério Público do Trabalho em relação às terceirizações, na Copel, por exemplo. Dentro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), sabemos que está sendo feita essa discussão da validade ou não da Lei de Concessões, que, em 1997, permitiu que as empresas fizessem terceirização de serviços essenciais. Só que muita gente enxerga isso como inconstitucional. O TST abriu uma discussão chamando uma Audiência Pública, com representantes de trabalhadores e das empresas também. A gente sabe que ainda não chegou ao ponto de lançar uma súmula, por exemplo, mas que há essa discussão. Há como fazer o embate dentro da Justiça.
Há algum dado sobre como as terceirizações no ramo elétrico afetam a saúde do trabalhador?
Os dados que nós temos são dados de acidentes que provocam lesões ou morte. Quanto à saúde do trabalhador, se faz uma ideia, porque há uma qualidade de vida pior desse trabalhador terceirizado, em condições de trabalho desumanas, como horas-extras além do devido – às vezes são até incentivados para isso. Não há controle rígido sobre isso, a auditoria do MPT não é onipresente, são comuns denúncias dessa forma. Muito mais do que o setor primeirizado, os terceirizados vivem jornadas descontroladas de trabalho, o que aumenta o tempo de exposição a esse risco, e no geral mina a saúde da pessoa. Há também má qualificação e mau preparo para situações básicas de segurança. Se pudesse colocar uma equipe do MPT em cada empresa ia se ver muita coisa.
Apesar de o processo de privatizações e de terceirizações atingir até mesmo as empresas estatais do ramo, estas ainda apresentam melhores condições que as privadas? As privatizações afetaram as empresas estatais também, o modelo é feito para se ter um setor privado, mas no fim das contas as estatais sobrevivem nesse modelo, e têm um desempenho maior que a média, basta ver o caso da Copel e Cemig, para nós é muito claro que o setor privatizado se preocupa em dar lucro, não se preocupa em levar desenvolvimento. Nas estatais, continua a lógica do lucro, muitas estatais ainda têm essa mesma visão, por mais que façam lição de casa, com programas sociais como o Luz para Todos, são empresas que têm uma lógica totalmente de dar lucro para acionistas, isso não pode ser a prioridade da empresa. É um discurso que se vale da lógica do mercado, substitui-se a função social, primordial de uma empresa, por uma função de dar lucro.
Dentro da ideia de articulação entre movimentos sindical e social, há iniciativas como a do Sindieletro-MG, de articulação com o Movimento dos Atingidos pelas Barragem (MAB). Qual a importância de ações como essas? A Plataforma Popular Operária e Camponesa para a Energia tem se mostrado esse elo entre sindicatos e atingidos por barragens, por exemplo. São trabalhadores como nós do setor, afetados pelo que fazemos. Temos que ter essa preocupação em saber lidar com isso. Muitas vezes o processo de desenvolvimento não bota a mão na consciência, sobre este aspecto temos que travar este contato entre movimento social e sindical. É importante que os dois lados se conheçam melhor. A questão para nós é onde uma barragem é feita, que se tome todas as precauções.
Quem é?
Ulisses Kaniak – Atual presidente do Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge). Engenheiro eletrônico, é funcionário da estatal de energia Copel, e atua pelo coletivo Sindical, que reúne sete sindicatos de diferentes segmentos da empresa. Atualmente no movimento “A Copel é Nossa”, que reuniu milhares de pessoas em 2001 contra a tentativa de privatização da empresa