Apesar da noite fria e chuvosa de ontem (26), mais de 150 pessoas lotaram o auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no centro do Rio de Janeiro, para o lançamento do livro ‘Do fogo à Luz’ do engenheiro chileno Pedro Hidalgo. O autor é ex-ministro da agricultura do governo popular de Salvador Allende e responsável pela reforma agrária no país.
Pedro conta que, apesar de já estar pronto há cinco anos, o livro nunca foi publicado no Chile por razões políticas, econômicas e religiosas. Os progressistas achavam o livro muito religioso. Os religiosos que ele falava muito sobre a tortura.
O autor agradeceu ao Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ) pela publicação e disse estar muito contente.
Pilares do poder
O presidente do Senge-RJ Olímpio Alves dos Santos comentou que o livro trata de três importantes questões: a violência, a religião e o poder. “Estes três elementos juntos são o sustentáculo do poder dos que os têm”.
Olimpio comentou sobre alguns personagens marcantes do livro. Entre eles estão dois sacerdotes. Enquanto um ajudou Pedro a se esconder dos militares e apoiou outras pessoas que estavam sendo perseguidas pelo regime, o outro, um bispo, afirmou que os presos estavam pagando por seus pecados.
“Cabe perguntar qual é o pecado que Pedro cometeu? Distribuir terras e lutar pela reforma agrária?”, questionou.
Vidas torturadas
Após o golpe militar no Chile em 1973, Hidalgo ficou detido na prisão de Chillán e depois nas Ilhas Quiriquinas, onde foi duramente torturado. Em decorrência dos maus tratos sofridos, ele perdeu sua audição do ouvido direito.
Emocionado, o autor e sua esposa Fresia contaram sobre a história do casal durante o período da ditadura militar chilena. Eles lembraram o momento em Pedro despediu-se da família, como fazia todas as manhãs, sem saber que aquele era o dia de sua prisão.
“Uma das vezes em que eu estava sendo torturado, perguntei por que eu estava sendo castigado. O torturador me respondeu que era por ter expropriado terras para a reforma agrária. Fui castigado por cumprir a lei da reforma agrária”, contou Pedro.
Fresia relatou sua intensa busca por informações sobre o paradeiro de seu marido. E, após encontrá-lo, sobre as duras visitas ao presídio. Pedro contou que além da violência sofrida, havia a saudade e a preocupação com a família.
Comissão da Verdade
O jornalista da OAB, Cid Benjamin participou da abertura do evento. Ele contou que, durante a ditadura brasileira, ficou exilado no Chile, onde teve uma filha, e permaneceu no país até o golpe.
Benjamin lembrou que a OAB criou uma Comissão da Verdade para subsidiar a criada pelo Governo Federal.
“Muitos dizem que não vale a pena mexer no passado e que isso só vai trazer sofrimento. Eu aceitaria de bom grado se fosse o melhor para a democracia”, afirma o jornalista. Ele acredita que evidenciar estes fatos é importante para a história de torturas ocorridas durante as ditaduras militares não se repitam.
“Aí está a importância de livros como o do Pedro Hidalgo”, disse.
Pós ditaduras
Também foi convidada a falar a integrante do grupo ‘Tortura nunca mais’, Victória Grabois. Ela contou que, quando Allende subiu ao poder, teve vontade de largar São Paulo, onde estava escondida por conta dos militares, e ir para o Chile, mas viu que sua luta era no Brasil.
Victória considerou que países latinos como o Chile, Uruguai e Argentina iniciaram o processo de busca pela verdade muito antes do Brasil. “O Brasil é a 6ª economia do mundo, mas na questão dos direitos humanos temos que aprender”, disse.
A integrante do ‘Tortura nunca mais’ lembrou que a Comissão da Verdade no Brasil é instaurada no momento em que muitos torturadores e familiares dos desaparecidos já estão mortos.