A primeira grande disputa política do ano na área econômica é sobre cortar, ou não, benefícios fiscais que já vigoram há mais de uma década. A reoneração da folha de pagamento de 17 setores produtivos é considerada fundamental para os planos do ministro da Economia, Fernando Haddad (PT), na busca por equilíbrio no orçamento para 2024.
A Medida Provisória 1.202 foi enviada ao Senado no dia 29 de dezembro, tentando reverter o projeto de lei de Efraim Filho (União Brasil-PB) que mantém os benefícios até 2027. Aprovado pelo Senado em outubro, o texto foi vetado integralmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No entanto, o veto foi derrubado pelo Congresso em 14 de dezembro, levando Haddad a emitir medida provisória.
Contrariado, o senador paraibano puxa o coro dos líderes de partidos, que fazem jogo duro e pedem que Rodrigo Pacheco (PSB-MG), presidente da Casa, rejeite a medida sem nem colocá-la em votação.
Após reunião com lideranças, no dia 9, Pacheco sinalizou que seguirá essa tendência, sugerindo que o instrumento mais adequado ao Executivo seria apresentar um projeto de lei em caráter de urgência constitucional. “Eu acho que não será por isso [que a meta fiscal será descumprida]. Primeiro, temos que ter clareza sobre o impacto orçamentário e financeiro dessas desonerações”, disse o senador mineiro, que deve se reunir com Haddad nesta segunda (15) e emitir uma decisão até fevereiro.
A MP enviada pelo governo amplia o número de setores contemplados, mas estabelece a tributação normal, de até 20%, para remunerações acima de um salário mínimo por trabalhador. Também determina a redução gradual do benefício nos próximos 4 anos, no mesmo período em que a lei aprovada em dezembro estabelece a desoneração de 17 setores da economia, permitindo às empresas pagar alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta – ao invés de 20% sobre a folha de salários.
Para Rubens Sawaya, professor de Economia da PUC-SP, há uma ala do mercado que não apoia mais a desoneração. “A minha impressão é que o Pacheco está cauteloso, porque ele sabe que existe uma pressão pelo déficit zero por parte do mercado, que ele politicamente conta com apoio. Mas tem outro grupo no Congresso que não é ligado aos empresários, mas um grupo mais ideológico, que é contra as medidas do governo por um viés do empreendedorismo e do anti-imposto”, afirma.
Pressionado para obter superávit esse ano, Haddad tenta evitar um buraco na arrecadação que pode chegar a R$ 16 bilhões de reais, de acordo com cálculos do governo. Além da questão do déficit fiscal, outro argumento da equipe econômica é que a política de desoneração não gerou mais empregos e apenas serviu para aumentar a margem de lucro das empresas contempladas.
“Pra zerar o déficit, se é que isso é possível, tem que acabar com esse tipo de desoneração, que, na verdade, tem pouco efeito prático. Isso foi um erro que Dilma [Rousseff] cometeu lá em 2012”, declara Sawaya, sobre a demanda dos empresários, acolhida à época pelo ex-ministro Guido Mantega. A medida, apelidada de “Pauta Fiesp” à época e que deveria ser temporária para socorrer alguns setores após a grave crise financeira de 2008, ao invés de acabar em 2012 foi sendo renovada desde então.
Em troca da promessa da manutenção de empregos, o governo concedia alívio tributário para setores como vestuário, calçados, móveis, tecnologia da informação e equipamentos de comunicação. Os presidentes que vieram na sequência, Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), chegaram a propor a reoneração, mas também sucumbiram às pressões do Parlamento.
Pelo impacto bilionário na Previdência Social, para onde seriam destinados os tributos, o ministro Haddad defende que a prorrogação da medida seria inconstitucional, baseando-se na Reforma da Previdência, aprovada em 2019. Um dos seus dispositivos impede a criação de benefícios fiscais para empresas para combater o déficit previdenciário. Ele também já mencionou trecho da Constituição que determina a revisão pelo Executivo de todos os benefícios fiscais a cada oito anos.
Estratégias de crescimento e lamúrias de empresários
Diante da possibilidade de retorno às alíquotas normais, o campo empresarial pinta um quadro apocalíptico com judicialização, perda de competitividade e até demissões. É o que comenta o advogado tributarista Eduardo Natal, presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT), que reconhece a importância do governo federal em prover bem-estar social, mas cobra sensibilidade e equilíbrio.
“As empresas certamente se programaram para 2024, considerando a tributação que havia sido estabelecida pelo Congresso. Na medida que há uma alteração, isso pode implicar também em uma nova tomada de decisão das empresas para verificação se aquele contingente de empregados e a sua relação com a produtividade e, eventualmente, a geração de receita com aquela equipe, com aqueles profissionais, segue compatível aos objetivos da empresa para os exercícios seguintes, em 2024 e 2025”, expõe Natal.
O professor Sawaya refuta os argumentos por entender que a desoneração é mais uma punição coletiva aos trabalhadores, que sofrem déficit no sistema de aposentadorias. Ele também considera essa forma de incentivo ineficiente devido ao fato de que, segundo ele, os empresários contratam, produzem e ganham dinheiro quando a economia cresce, mas demitem assim que a economia retrai, “mesmo se estiver pagando um salário de fome”.
“A razão macroeconômica, a razão estrutural disso é que você promove uma industrialização de baixa tecnologia, de baixa competitividade. Dessa forma você produz com baixa tecnologia e baixa produtividade, que é o que os salários fazem, é intensivo em mão de obra e você e os empresários não investem em novas tecnologias para competir internacionalmente, é ruim no médio e longo prazos”, acrescenta.
Para parlamentares da oposição, aprovar a primeira parte da reforma tributária em novembro teria indicado a boa vontade com a agenda econômica do governo. E agora caberia à equipe de Haddad encontrar outras formas de aumentar a arrecadação para investir em políticas públicas dentro das metas. Embora a reforma abra novas modalidades de arrecadação, ainda levará tempo para os dispositivos e regras serem aprovadas e passarem a valer.
No dia 11, o IBGE apontou que a inflação de 2023 fechou em 4,62%, abaixo do previsto. Como a inflação do ano anterior interfere no cálculo do orçamento disponível, a notícia pode ser boa para os consumidores, mas obriga o governo a cortar mais de R$ 4,4 bilhões em despesas previstas para esse ano.
Uma das sugestões na busca de recursos seria taxar as compras onlines em sites do exterior com valor acima de 50 dólares. Essa modalidade, atualmente, só é incidida por 17% de imposto estadual (ICMS). O próprio Congresso poderia se envolver na busca por soluções, sob risco do cenário positivo na economia ser revertido, e abrir mão de parte do montante destinado ao fundo eleitoral, que atualmente chega a quase R$ 5 bilhões.
“O jogo está sendo jogado e está difícil. O governo precisa do crescimento econômico. Todo o jogo do governo está baseado na hipótese de conseguir fazer a economia crescer e diminuir o déficit primário pelo crescimento econômico para, de uma certa forma, calar a boca do mercado financeiro. É ele quem está todo dia batendo no governo, batendo no PAC e batendo nas políticas fiscais”, encerra Sawaya.
Edição: Nicolau Soares
Texto: Alex Mirkhan
Fonte: Brasil de Fato