Mudanças na BR do Mar, aumento do conteúdo local e construção de plataformas estão entre as batalhas do setor naval no Congresso para 2024

Não são poucos os pontos que precisam ser revistos na regulação do setor naval para realinhar a lei aos objetivos do governo federal, como a geração de empregos diretos e indiretos na cadeia da economia do mar e a independência logística no transporte de produtos.

A Lei 14.301/2022, conhecida como BR do Mar, é um desses pontos que, neste ano, deverão ser debatidos no Congresso. A legislação promoveu uma abertura irrestrita do setor da cabotagem – o transporte porto a porto de bens em um mesmo país – para a atuação de empresas estrangeiras no país, sem contrapartidas, inviabilizando a concorrência para empresas brasileiras.

“Bolsonaro, quando criou a BR do Mar, liberou navios estrangeiros para entregar no porto que quiserem, com alíquota de IPI zero. É de um liberalismo que você não encontra nem nos Estados Unidos, que só permite a navegação de embarcações produzidas no país, com bandeira e tripulação americanas”, destaca Edson Rocha, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói e diretor da CNM CUT. 

O relatório da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Indústria Naval Brasileira, entregue ao governo no final de 2023, destaca que a lei “abriu esse mercado, num enorme retrocesso, razão por que defendemos sua revisão, garantindo a soberania e a indústria naval nacional, a navegação de bandeira nacional e a empregabilidade dos brasileiros”.

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Importante ferramenta de impulso para a indústria durante os primeiros governos Lula, a obrigatoriedade mínima de serviços nacionais na cadeia de produção da indústria naval deverá voltar a garantir o espaço dos estaleiros brasileiros nas encomendas de navios e plataformas offshore. 

A retomada da política responsável pelo ciclo virtuoso que lotou estaleiros e impulsionou toda a cadeia de produção marítima nacional, com forte arrasto tecnológico, está entre os principais pontos elencados no relatório da frente parlamentar. A luta é pelo resgate de mais serviços e peças brasileiras em navios e plataformas: o conteúdo local obrigatório foi drasticamente reduzido durante o governo Temer. Plataformas fixas e unidades de perfuração, que chegavam a 70% de conteúdo local. Hoje, a participação exigida vai de 25% a 40%. 

“O que fazemos hoje não passa da instalação das plataformas nos poços. Só isso já é suficiente para alcançar os 25% praticados hoje. Para determinado tipo de bomba ou robôs, queremos um mínimo de 40% feito aqui. Mas navios tanques, aliviadores de poços, gaseiros, nós já fazíamos há dez anos e nada mudou nessas embarcações, a não ser a propulsão, mais limpa, que é desenvolvida no Brasil, não em qualquer outro lugar do mundo”, destaca Rocha.

Mais que estipular um aumento gradual do conteúdo local na construção de plataformas para novos contratos de concessão, o relatório da frente parlamentar aponta a importância de, já para os contratos vigentes, exigir o cumprimento do percentual mínimo. Não é raro que as empresas optem por pagar as multas para viabilizar a completa construção das embarcações fora do país. Para evitar a manobra, os parlamentares sugerem o aumento da multa dos atuais 40% para valor fixado entre 120% e 200%. 

O texto também sugere incentivos: “poderá, a cada 1% de conteúdo local adicional ao mínimo realizado, gerar uma redução de 0,1% em Royalties dos contratos de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural assinados com a ANP”. A ideia é que, com o avanço dos incentivos oferecidos, a própria obrigatoriedade do conteúdo local pré-definido seja, cada vez mais, desnecessária. O mesmo poderá ocorrer com as multas.

Descomissionamento e desmantelamento

Embora tenha sido defendido por alguns grupos – inclusive dentro da Petrobras – como saída para a indústria naval brasileira em cenário de encomendas no exterior, é consenso entre os sindicatos e parlamentares da frente mista que o final do ciclo de vida das plataformas e navios importados não pode ser visto como principal ou única atividade nacional no setor.

O motivo está nos números: o descomissionamento – a retirada de equipamentos para uso em outras embarcações – e o desmantelamento – o desmonte das estruturas – se provaram insuficientes para sustentar o trabalho nos estaleiros nos últimos anos. 

“As embarcações afretadas lá fora têm bandeira, tripulantes, aço e maquinário de outro país. Por isso, até conseguimos desmontar, mas elas precisam ser rebocadas até o país de origem para desfazer toda a documentação, a Petrobras compra o que sobra e tem que rebocar de volta ao Brasil para desmontagem. Só o transporte já inviabiliza esse desmonte”, explica Edson.

O desmanche também não é capaz de gerar a demanda necessária para empregar o mesmo número de profissionais que lotam os estaleiros durante a construção de novas embarcações. O arrasto tecnológico, com a participação de fornecedores de alta tecnologia, também não existe quando tudo que os estaleiros têm para trabalhar são sucatas. “A gente quer construir. Desmontar também, claro. Mas, principalmente construir. A construção de uma única plataforma emprega hoje de 6 a 8 mil trabalhadores em um único turno. A esses se somam outros 3 mil no turno da noite. Em 2014, tínhamos 82 mil pessoas trabalhando no setor. hoje, somos de 19 a 20 mil. São 60 mil trabalhadores que hoje estão desempregados ou em subempregos, com péssima qualidade de vida”, destaca Edson.

 

Redação: Rodrigo Mariano/Senge RJ
Fotos: Agência Petrobras; NGO Shipbreaking Plataform/Reprodução Sinaval

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