Primeira mulher a ocupar o cargo de ministra da Saúde em 70 anos, desde a criação da pasta, a ex-presidenta da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Nísia Trindade afirmou nesta sexta-feira (22) ser alvo de “críticas indevidas” e “comentários machistas” por sua gestão. Em entrevista ao jornal O Globo, a ministra afirmou que seguirá em sua posição de comando, apesar das “várias manifestações que expressam o desejo de derrubá-la”.
“Questionam a liberação de recursos do ministério, a distribuição para estados e municípios. O que aconteceu foi que reparamos distorções que vinham do governo passado. Existem regras para isso, são as regras do SUS (Sistema Único de Saúde Pública). Toda gestão pode ser criticada, mas cabe ao presidente e à sociedade avaliar o nosso trabalho”, destacou.
A pressão contra a ministra vem desde o ano passado com a atuação do centrão para redirecionar o cargo a nomes aliados da ala política. O que se arrasta neste ano, com as cobranças do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do centrão, por mais verbas da pasta. As críticas contra Nísia, contudo, se intensificaram mais recentemente, quando membros da base governista também passaram a contestar sua gestão. O deputado federal Washington Quaquá (PT-RJ) chegou a declarar que a titular da Saúde não teria “o tamanho que o governo Lula precisa”. O parlamentar, porém, foi rebatido pelo próprio partido no Rio, que fez uma manifestação em favor do trabalho de Nísia.
Tensões na Saúde
Mas pesquisas de opinião também vêm mostrando que a saúde voltou a ser um dos pontos de preocupação do brasileiro. A análise da pasta é que o sentimento reflete uma preocupação diante da espera nas filas de atenção especializada também pressionadas pela epidemia de dengue.
O modo como a ministra conduziu a crise nos hospitais federais fluminenses também causou descontentamentos. A percepção em parte nos bastidores, segundo informações do site Jota, é de que ela não defendeu a equipe e exonerou rapidamente duas pessoas que estavam comprometidas com o trabalho e com o ministério: Helvécio Miranda, à frente da Secretaria de Atenção Especializada; e Alexandre Telles, que dirigia o departamento de Gestão Hospitalar da secretaria.
A crise no Rio
Na entrevista a O Globo, Nísia reconheceu a crise no Rio e explicou as demissões. De acordo com ela, não há nada que desabone Telles, mas o ministério julgou que precisava de alguém com mais experiência. Nísia também disse que Magalhães é um “grande quadro, mas houve questões ligadas a desgastes e à falta de cuidado em certas práticas”.
“Os hospitais estão numa situação muito precária de infraestrutura e pessoal. Exigem uma intervenção firme e profunda. Antes de assumir o ministério, li o relatório da CPI da Covid, que descrevia um quadro de grande degradação no governo passado. Houve muita interferência política, com indicações do senador Flávio Bolsonaro. No ano passado, fizemos uma avaliação completa e conseguimos alguns avanços. Reabrimos 300 leitos, inauguramos o hospital-dia no Andaraí, retomamos os transplantes em Bonsucesso. Fizemos coisas necessárias e importantes, mas que ainda estão muito aquém do que é preciso”, explicou a ministra.
A chefe da Saúde também rebateu a forma como sua imagem na reunião ministerial, na última segunda (18), foi relatada para tachá-la de “frágil” por sua fala emocionada. Ontem (21), durante reunião com representantes das secretarias municipais e estaduais de Saúde, Nísia reiterou que não precisa mudar sua postura para ser respeitada, destacando a importância de uma autoridade civilizada e democrática, sem necessidade de “falar grosso” para ser ouvida.
Entidades mostram apoio a Nísia
“A forma como o episódio foi tratado mostra que há uma questão de gênero. As pessoas têm muita dificuldade de ver uma mulher no Ministério da Saúde. Sou a primeira, embora 75% da força de trabalho do SUS seja de mulheres. Temos um modelo agressivo e masculino de pensar a autoridade. Sou gestora há muitos anos. Desde o primeiro cargo que assumi, ouço comentários de natureza machista”, declarou na entrevista.
Diante dessas tensões, diversas entidades e grupos científicos e médicos divulgaram notas nessa quinta em apoio à permanência da ministra. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também expressou solidariedade e frisou o “trabalho notável” de Nísia “na reconstrução do Ministério da Saúde após os danos causados pela política negacionista do governo anterior”.
As críticas também foram classificadas como inapropriadas pela Academia Brasileira de Ciências (ABC). “O esforço admirável realizado pela atual gestão ministerial demanda tempo para se consolidar, e a ABC sente-se compelida a expressar seu respaldo”, divulgou a entidade. Na entrevista, Nísia destacou que “jamais” pensou em desistir. “Procuro manter o equilíbrio entre a autoestima e a autocrítica. Me sinto segura e sei o que estou fazendo. Estou feliz com o que fiz até agora, mesmo nesses momentos tão difíceis, que afetam a mim e à minha família.”
Fonte: Rede Brasil de Fato
Texto: Clara Assunção
Edição: Helder Lima
Foto: Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil