Por 11 votos a zero, STF derruba interpretação golpista de artigo sobre intervenção militar

Artigo 142 da Constituição foi amplamente usado por Bolsonaro e apoiadores para argumentar que as Forças Armadas poderiam exercer um “poder moderador” e, em última instância, tutelar os poderes. Mas Supremo rejeitou a tese

Em decisão unânime (11 a 0), o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, nesta segunda-feira (8), que a Constituição não prevê “poder moderador” ou intervenção das Forças Armadas. A Corte já havia formado maioria nesse sentido. O esclarecimento sobre os limites para atuação dos militares foi feito com base em ação do PDT que questionava uma interpretação golpista do artigo 142 da Carta de 1988. O dispositivo era constantemente usado pelo ex-presidente Bolsonaro (PL) e apoiadores para argumentar que as Forças Armadas poderiam exercer um “poder moderador” no país e, em última instância, tutelar os poderes.

Nesse sentido, os militares poderiam supostamente agir para arbitrar eventuais choques entre os três poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário. O viés “reacionário” foi apontado na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.457 dos pedetistas e rejeitado pelo relator da ADI, o ministro Luiz Fux. Ao abrir o julgamento, ainda em 2020, Fux afirmou que a Constituição não autoriza o presidente da República a recorrer às Forças Armadas contra os demais poderes. Assim, ressaltou também que o texto constitucional não concede aos militares a atribuição de moderadores de eventuais conflitos entre os três poderes.

“Qualquer instituição que pretenda tomar o poder, seja qual for a intenção declarada, fora da democracia representativa ou mediante seu gradual desfazimento interno, age contra o texto e o espírito da Constituição”, defendeu. O parecer do relator foi seguido por todos os demais ministros.

Contra a desinformação

Último a votar, Dias Toffoli destacou que a suposta ideia de um poder moderador das Forças Armadas “infelizmente reapareceu na pena e no desejo de ‘alguns’, a partir de uma leitura equivocada do artigo 142 da Constituição, no sentido de que as Forças Armadas seriam – falsamente, é importante reiterar – árbitras de conflitos institucionais”.

O ministro ainda lembrou que entre o final do Império até a redemocratização e refundação do Estado brasileiro pela Constituição de 1988, as Forças Armadas, por vezes, usurparam e se arvoraram em um fictício “poder moderador”. Toffoli ressaltou que na ditadura civil-militar, de 1964 a 1985, as forças militares assumiram com um golpe o poder e atribuições “as quais a elas jamais foram constitucionalmente concedidas”.

O ministro Flávio Dino declarou ainda que o artigo 142 define a função militar como subalterna. “Com efeito, lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um ‘poder militar’. O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente”, ressaltou. Dino também propôs em seu voto que a decisão final do Supremo fosse enviada para todas as organizações militares. Entre elas, escolas de formação e aperfeiçoamento. A medida foi defendida pelo magistrado como uma forma de combater a desinformação sobre o artigo constitucional. No entanto, a proposta não obteve maioria. Foram apenas cinco votos nesse sentido.

Repercussão

Em debate promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) sobre os 60 anos do golpe, na semana passada, pesquisadores e defensores da democracia destacaram como um “problema estrutural” do Brasil justamente a persistência do intervencionismo militar.

“Todas as crises institucionais brasileiras, desde a Proclamação da República até ontem (referência a 8 de janeiro de 2023), foram causadas por militares”, afirmou o professor e pesquisador Carlos Fico. Autor do livro Utopia autoritária brasileira, Fico advertiu que “todas as intervenções militares se deram a partir de certos padrões recorrentes”. E um desses padrões é a visão de que as Forças Armadas têm certa “licença” para intervir, com base na atual e em Constituições anteriores.

“O artigo 142 não permite intervenção militar. Eu sei disso, o ministro Fux, o ministro Dino…”, diz Fico, defendendo revisão do texto constitucional.

Fonte: Rede Brasil Atual

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