O jantar dos neoliberais | Jorge Folena

No melhor estilo da classe dominante brasileira, que tem fascínio por decidir o futuro do país numa mesa de jantar, bem distante do povo

Por Jorge Folena*

Foi noticiado que o apresentador Luciano Huck, expoente na defesa do estado mínimo no Brasil e declarado apoiador dos tucanos, ofereceu jantar na sexta-feira (17 de maio) em homenagem a um dos maiores sabotadores do país na atualidade, o neoliberal Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, nomeado para o cargo pelo ex-presidente inelegível.

No melhor estilo da classe dominante brasileira, que tem fascínio por decidir o futuro do país numa mesa de jantar, bem distante do povo, o organizador do evento reuniu banqueiros, empresários, artistas e políticos, que, em essência, defendem que o mercado controle o patrimônio e o orçamento público, em benefício apenas dos seus próprios interesses, sem escrúpulos em deixar a população à míngua dos recursos que a ela pertencem.

Vale registrar que, alguns dias após o STF decidir, por maioria, que eram válidas as restrições previstas pela Lei das Estatais às indicações políticas para a diretoria e conselhos de administração daquelas empresas, o jornal Valor Econômico (porta-voz do neoliberalismo brasileiro) estampou a seguinte manchete: “Entidades ligadas ao mercado de capitais elogiam decisão do STF sobre Lei das Estatais”.

Ora, não poderíamos esperar outra reação do mercado e seus porta-vozes, cujo objetivo, repita-se, é ter o controle efetivo das empresas estatais e do patrimônio público, para dele dispor conforme seus interesses particulares.

De acordo com o posicionamento do STF, “as restrições criam filtros para garantir a moralidade da administração pública e evitar conflitos de interesses … (sendo) possível que a lei presuma que quem tenha exercido cargo de direção partidária ou funções similares tenham um conflito objetivo de interesses com a administração.”

Assim, pela interpretação da maioria do STF, quem exerceu cargo político não pode participar dos conselhos nem da administração das estatais, mas, por outro lado, os prepostos dos financistas podem.

A meu juízo, o argumento da moralidade e da impessoalidade não se justifica no caso, pois deveria valer para todos os segmentos (público ou privado); caso contrário, a raposa fica livre para tomar conta do galinheiro, sob o pretexto de que a corrupção é atributo somente de políticos e dirigentes partidários, e não do mercado, que participa de jantares nas altas rodas. Aliás, sempre que se fala no tema, nunca se mencionam os corruptores, que são ativos, e não passivos.

Na verdade, a prerrogativa de indicar os ocupantes de quaisquer cargos deve ser do chefe da Administração Pública, detentor de mandato popular pelo sufrágio universal. Ocorre que essas amarras legislativas, como as previstas na lei das estatais, são construídas pela classe dominante para favorecer o “mercado”, que se considera dono de todas as riquezas dos Estados, que devem obediência a ele.

Com efeito, é possível constatar que o Estado brasileiro há muito está refém do neoliberalismo e que seus agentes já controlam cargos importantes no país, conforme refletido na decisão do STF, citada acima. É exatamente a situação que temos hoje no Banco Central, “independente” no nome, mas controlado pelo mercado financeiro, ao ponto de impedir a redução dos juros da dívida para não “comprometer” os lucros fáceis dos especuladores.

A mesma coisa se passa nas diversas agências reguladoras, que são dóceis aos abusos e desmandos das concessionárias de serviço público, por mais ineficazes, incompetentes e ausentes que se revelem na prestação de serviços essenciais, como ocorreu há poucos meses com a falta generalizada de luz na Cidade de São Paulo, porém nada se faz contra as concessionárias, que só auferem lucros sem realizarem nenhum investimento para melhoria do atendimento.

Daí a necessidade de debatermos, à exaustão, essa intromissão neoliberal no destino do país, que impede que alcancemos a efetiva soberania e desenvolvimento, pois o tempo todo o Brasil é sabotado por muitos dos participantes do jantar promovido por Luciano Huck, defensores que são de um estado mínimo a serviço exclusivo do mercado e dos muitos ricos e que abandona a população à própria sorte.

Porque é isso o neoliberalismo: um processo de destruição e apropriação, que, ao longo do caminho, causa recorrentemente a morte de milhares de pessoas; e até que ponto essas perdas constituem “meros” danos colaterais ou são tentativas de redução da população pobre do mundo é uma das perguntas que devemos nos fazer.

Mas o cinismo de seus defensores é tanto que, depois da destruição das estruturas criadas para a defesa de pessoas e cidades, do desmonte do Estado e da materialização da catástrofe, seus agentes se apresentam como os primeiros da fila, a disputar a apropriação dos recursos para a reconstrução, que nunca é feita com o dinheiro do mercado, mas sempre com os recursos do erário público, como ocorre agora no Rio Grande do Sul.

 


*Folena é advogado e cientista político. Secretário geral do Instituto dos Advogados Brasileiros e Presidente da Comissão de Justiça de Transição e Memória da OAB RJ. Apresentador do programa Soberania em Debate, do movimento SOS Brasil Soberano, do Senge RJ.

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

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