“A tragédia no Rio Grande do Sul não está servindo para nada no legislativo”, diz professor Rogério Rocco

Ainda muito longe de ser superada, a tragédia que se abateu sobre o sul do país poderia, a exemplo do que ocorreu em outros momentos, deixar um legado de avanço mínimo no legislativo para que não se repetisse, mas não é isso que vem acontecendo

Seca na Amazônia, chuvas torrenciais sobre o Sul. Rio de Janeiro fervendo. Nada disso parece incomodar o Congresso Nacional, que toca em frente um pacote legislativo de destruição ambiental com 25 projetos de lei e 3 emendas que vão desde a liberação de novos agrotóxicos e áreas da Amazônia para a exploração de minérios até o afrouxamento das regras de fiscalização e contrapartidas ambientais.

“Nelson Rodrigues dizia que ‘os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos’. Eles descobriram isso e criaram uma identidade que levou muitas dessas figuras asquerosas a espaços de poder. O resultado são realidades paralelas que se sustentam sobre mentiras completamente idiotizadas, mas que são compartilhadas e fazem a cabeça de muita gente. É assustador que, mesmo diante de uma realidade como a que vemos agora no Rio Grande do Sul, não haja impacto no entendimento das massas e sua representação dentro das estruturas do parlamento. Absolutamente nada tem se mostrado suficiente para frear o pacote de maldades que o Congresso Nacional vem construindo ao longo dos anos”, alerta o professor Rogério Rocco, superintendente do IBAMA/RJ.

O encontro da emergência climática com a ascensão da extrema-direita negacionista é receita para um desastre que, talvez, custe o direito da humanidade de povoar o planeta. Mesmo as tragédias, que antes causavam alguma reação, hoje não causam: a tragédia na Região Serrana foi responsável pela estruturação de uma Política Nacional de Defesa Civil. Já após o acidente com a Petrobras na Baía da Guanabara, o Congresso Nacional aprovou a Lei do Óleo. No caso do Rio Grande do Sul, até agora, a tragédia não movimentou o Congresso no que diz respeito à legislação para evitar novos desastres. Ao contrário disso, deputados e senadores seguem aprovando matérias com impactos absolutamente destrutivos sobre diversos biomas e diminuindo e sobre o poder de fiscalização do Poder Público.

“A política do Congresso Nacional hoje é tirar as competências das instituições federais, abrindo a porteira para a boiada passar. Nos últimos 15 anos entramos em um processo de retrocesso que chegou hoje a um patamar inigualável na nossa história. Não sei quanto tempo precisaremos para recompor o que foi destruído nesses anos”, aponta o professor, entrevistado do último dia 06 de junho do Soberania em Debate.

 

Um problema sistêmico

A invasão das águas do Guaíba sobre as cidades do Rio Grande do Sul moveram o Brasil. Uma infinidade de pessoas, sensibilizadas, se mobilizaram e contribuíram como puderam. No meio desse mar de solidariedade, no entanto, ainda apareçam aqueles que, em cenário de caos climático, buscaram proveito próprio. Rogério destaca que, para além da falta de caráter dessas pessoas, o próprio sistema alimenta essas posturas.

“Nas experiências como superintendente do IBAMA, diante de diversos empreendimentos e atividades econômicas, me vejo dentro de estruturas como a Comissão Estadual de Controle Ambiental, um órgão ambiental do estado do Rio, um colegiado criado para discutir a emissão de licenças para empreendimentos. É assustador que, mesmo com representações da sociedade presentes, incluindo o Crea RJ, as pessoas estejam ali movidas pelo favorecimento do capital”. 

Segundo o professor, Ibama e UERJ costumam ser atropelados em cenários onde o silêncio conivente compactua com a aceleração do processo de acumulação do capital. “A impressão é que, com a evidência do fim, eles agora têm pressa para garantir o seu quinhão. Eles precisam enriquecer, lucrar mais antes que as coisas acabem”, comenta.

Responsabilidade dos gestores

Evitar as catástrofes está além do poder de qualquer gestor público neste momento. Elas irão acontecer e o que podemos fazer é aprender a lidar com elas. Esse aprendizado, bem como a escala dos desastres, no entanto, dependem de um trabalho de preparação e manutenção que não costumam gerar votos e, por isso, são sistematicamente negligenciados.

“Precisamos de gestores responsáveis e comprometidos. Não dá pra dizer que governo e municípios pudessem fazer algo para evitar o evento climático extremo, mas se as administrações dos municípios e estados não adotarem políticas que visem a mitigação e a prevenção para essas ocorrências, os danos serão infinitamente maiores. No caso do RS, temos um estado que já foi protagonista de boas políticas ambientais. Porém, nos últimos anos, junto a Santa Catarina e Paraná, entrou na contramão do processo de garantias ambientais e proteção do meio ambiente que foram construídos em décadas passadas. Tornaram-se porta-vozes de discursos negacionistas e promotores de retrocessos nas legislações florestais. O atual governo do RS destroçou a legislação estadual de meio ambiente. Eduardo Leite desempenhou um papel protagonista em um desmonte absoluto da proteção florestal no RS e os prefeitos também contribuíram muito para os resultados que a gente assistiu dessa grande tragédia, se omitindo com obrigações básicas de manutenção dos sistemas de compotas e de controle de enchentes”, destaca.     

Solução global

Os recordes de temperatura do planeta, batidos mês a mês no último ano, confirmam o que já era consenso científico: Já não há o que ser feito pela humanidade para evitar as mudanças climáticas e suas catástrofes. Passamos do ponto sem retorno. O que resta, agora, é a adaptação e preparação para essa nova realidade. 

Nós tentamos, mas não o suficiente: na Rio 92, as nações assumiram, pela primeira vez, o compromisso de buscarem um acordo para a redução da emissão de gases do efeito estufa. Desde então, as conferências vêm acontecendo. Foram assinados o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris e ambos foram descumpridos. Ainda não encontramos caminhos para garantir a sobrevivência da nossa espécie. 

Rogério, que já foi secretário de Meio Ambiente de Niterói, diretor do Instituto Pereira Passos – IPP, diretor substituto do Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA/MMA e coordenador regional do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio/MMA, destaca que os problemas ambientais são globais e, por isso, não podem ser combatidos de forma isolada. Vem daí o maior desafio da humanidade hoje: nos organizamos em Estados Nações ao longo da história, mas nosso problema, hoje, não respeita fronteiras.

“As Nações Unidas precisam levar mais a sério os desafios que estão colocados para a adoção de regras globais para a diminuição de gases causadores do efeito estufa e políticas de repartição de recursos entre as nações mais desenvolvidas, que acumularam capital explorando os recursos naturais das nações periféricas, e as menos desenvolvidas”, destaca o professor. 

O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTube, todas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa e do cientista social e advogado Jorge Folena, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra. O programa também pode ser assistido pela TVT aos sábados, às 17h e à meia noite de domingo.

 

Rodrigo Mariano/Senge RJ | Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil 

Pular para o conteúdo