O Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro – Senge RJ participou do seminário “Brasil-China: 50 anos de relações diplomáticas”, representado pelo seu presidente, Olímpio Alves dos Santos, no último dia 11/06. As lideranças sindicais estavam entre os principais convidados do evento, que focou nas oportunidades que as relações entre os dois países trazem para o mundo do trabalho e para o desenvolvimento do Brasil no que diz respeito aos investimentos em ciência, inovação e tecnologia como caminho para o crescimento sustentável.
O encontro foi mais um dos diversos eventos que vêm focando na emergência de uma nova ordem mundial, multipolar, com uma forte corrente de relações centradas no sul global. A China, embora seja o principal parceiro comercial do Brasil, responsável pelo maior superávit do país no mundo, ainda é cercada de preconceitos baseados em caricaturas ideológicas impressas no imaginário coletivo pela indústria cultural norte-americana, massificada com o processo de globalização a partir da década de 1990.
Olímpio destaca que o passado colonial brutal do país veio construindo essa imagem da China há muito tempo. “A história da China como um país estranho, distante, vem desde o século XIX, quando o ocidente, a dita cultura judaico-cristã destruiu o país. A China levou 100 anos para se tornar um país soberano. A revolução chinesa, mais que uma revolução socialista, foi uma revolução em busca da soberania, da superação de um século de humilhação, uma luta anticolonial”, conta Olímpio.
Derrubar essas barreiras ideológicas, aproximando os povos dos dois países e apresentar as oportunidades e potenciais que essas relações carregam é um dos objetivos dos seminários promovidos pelo Instituto Lula. Parte dos debates “Brasil-China: Parcerias para o Futuro”, o seminário no Rio foi o segundo de uma série de eventos que passarão por diversas cidades brasileiras. Em maio, o debate aconteceu em São Paulo. O próximo será em Salvador.
Modelo de desenvolvimento e contradições
O acelerado crescimento chinês a partir do processo de abertura no final da década de 1970 somado a um forte movimento de urbanização e uma transição no regime de formação social e inserção internacional, principalmente a partir da eleição de Xi Jinping, em 2012, contribui para pensar um Brasil que enfrenta o avanço da desindustrialização. O “sonho chinês” de Xi foi posto em prática com uma potente política industrial e massivos investimentos estatais por meio de bancos e empresas públicas.
“Na China são três BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, do Brasil) além de bancos comerciais gigantescos a serviço de um projeto de industrialização, de transformação estrutural. Teve planejamento e os instrumentos para que essa transformação estrutural acontecesse”, destaca a professora Isabela Nogueira, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Laboratório de Estudos em Economia Política da China (LabChina).
Olímpio destaca que é preciso aprender com a China para pensar os caminhos necessários para que o Brasil possa se desenvolver de forma soberana: “Nós não podemos esperar que haja desenvolvimento sem as bases necessárias para que ele aconteça. Estamos tentando chegar lá em consenso com a elite financeira, mas ela quer viver de rentismo. Temos essa equação política que precisa ser resolvida para que o Brasil se volte para o seu destino, com a superação da desigualdade, da violência. Para termos um Brasil desenvolvido, é fundamental que queiramos isso, que se consolide uma vontade popular interna”.
Dependência e contradições
Com uma economia dependente de bens primários – cerca de 73,4% das exportações baseadas em commodities -, o Brasil vive um cenário contraditório nas relações comerciais com seu principal parceiro: 80% do que exportamos para a China é soja, minério de ferro, petróleo e minérios diretamente ligados à indústria da tecnologia, como o lítio, manganês, o níquel e o nióbio. De lá, importamos bens industrializados de alto valor agregado. Assim, o papel do Brasil nas relações comerciais entre os dois países se insere em um cenário típico de uma relação centro-periferia com a potência industrial chinesa. Mais uma vez, a inserção econômica do Brasil é periférica.
“Se, de um lado, a divisão de trabalho entre a China e o Brasil assentada na especialização primário-exportadora brasileira e industrial chinesa consolida a atual corrente de comércio e fluxo de investimentos da China no país, com saldo positivo para o balanço de pagamentos do Brasil, por outro lado traz diversos desequilíbrios como a dependência da exportação de commodities primárias: desflorestamento, degradação ambiental e desindustrialização”, destacou o professor Carlos Aguiar de Medeiros, titular emérito em Economia Política Internacional e Desenvolvimento Econômico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Para Olímpio, a saída deste papel periférico da economia mundial depende da disputa política e ideológica para definir como o próprio Brasil olha para si e do que exige de ganho a médio e longo prazo com os investimentos internacionais. “Não podemos repetir com a China o que deixamos que os EUA fizeram conosco. A China, é claro, tem seus interesses. O que nos interessa é a transferência de tecnologia. Teremos uma fábrica da BYD montando carros elétricos no nosso país. Se não internalizamos essa cadeia de produção aqui, seremos apenas montadores. E isso não nos interessa. Mas isso, certamente, será difícil. Basta lembrar o que aconteceu com a política de conteúdo local implantada pelos governos Lula e Dilma para a indústria naval. A elite não queria. Para eles, tínhamos que importar tudo mais barato e montasse os navios aqui. Resultado disso é que hoje não produzimos turbinas, motores, nada”, lembra Olímpio.
Investimento e desenvolvimento
Graças às relações entre Brasil e China, inauguradas em 1974 e reforçadas no primeiro governo Lula, com a criação da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação – Cosban, a inserção periférica da economia brasileira tem características diversas daquela imposta pela relação típica de dependência centro-periferia. Segundo Medeiros, os contornos das relações Brasil-China foram delineados não por condicionantes e imposições, mas pela ausência de uma política industrial capaz de transformar os interesses econômicos privados em oportunidades para a diversificação da estrutura produtiva e exportadora brasileira.
Principal investidor internacional no Brasil em setores como o da energia, petróleo e gás e telecomunicações, o fluxo de investimento chinês no país cresceu e deverá seguir crescendo. Segundo o professor, essas trocas podem ser importantes vetores de desenvolvimento no Brasil, caso o país retome a estratégia desenvolvimentista, com uma política industrial moderna e abrangente e proteções para a indústria nacional. “Essa é uma política que, a partir dos anos 1990, encontrou formidáveis obstáculos tecnológicos”, destaca o professor.
Janela de oportunidade
O reposicionamento geopolítico de um país que passou, nos últimos 15 anos, de uma postura de desenvolvimento pacífico, a nação que coloca seu peso sobre a geopolítica e temas da governança global cria uma janela de oportunidade para seus principais parceiros, como o Brasil.
Enquanto busca o domínio das tecnologias da quarta revolução industrial e internacionaliza definitivamente seu comércio global com o ambicioso projeto da Rota da Seda, a China vem injetando investimentos vultuosos em países parceiros. Segundo Nogueira, os países receptores desses investimentos os vêm direcionando de diferentes formas: alguns países, como o Congo, seguem inseridos em uma relação centro-periferia, enquanto outros, como a Grécia e Indonésia, onde há projeto nacional de desenvolvimento, aumenta o espaço para políticas públicas.
O Brasil, fundamental para o projeto de expansão do poder global chinês na América Latina, principalmente no setor de carros elétricos, também pode aproveitar os ventos que sopram do gigante asiático. “O Brasil já é um super receptor de investimento chinês. No acumulado de 2005 até 2022, o país recebeu 48% dos investimentos chineses na América do Sul”, destaca a professora. E alerta: “Investimento estrangeiro direto sem condicionalidade, sem criação de elos com a transformação estrutural, com a política industrial doméstica não vai trazer desenvolvimento para o país receptor”. Ele aumenta o espaço para políticas públicas em países com algum projeto nacional. Quem não tem, vai reforçar a condição periférica e a relação centro-periferia”.
O evento contou, ainda, com a participação de José Eduardo Cassiolato, diretor do Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI e secretário-geral da Global Research Network on the Economics of Learning, Innovation and Competence Building Systems e do secretário executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), Luiz Manuel Rebelo Fernandes.
Confira o evento na íntegra:
Edição: Rodrigo Mariano, com informações do Instituto Lula | Foto: Andrea Nestrea