Por Jorge Folena
Após um razoável período de investigações, é possível estabelecer que as autoridades policiais e do ministério público já têm a exata compreensão da possível estrutura criminosa formada no Brasil, desde a eleição de 2018.
Antes das investigações policiais em curso, as Comissões Parlamentares de Inquérito das fake news, da Pandemia da Covid-19 e dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 debateram à exaustão as ações constituídas para a implantação de um governo fascista e autoritário no Brasil, que atuou mediante o emprego de táticas sistemáticas de produção, difusão e financiamento de notícias falsas, com o claro objetivo de tentar influenciar a população para obter vantagens financeiras e/ou político-partidárias, valendo-se do estímulo ao ódio, à violência, ao terror e à espionagem e mediante a utilização indevida de bens e recursos públicos.
A primeira comissão parlamentar de inquérito, a das fake news, abriu o caminho para a compreensão da operação de propagação de mentiras, utilizada desde a campanha eleitoral de 2018 por um grupo político específico, e que, mesmo com a vitória do seu candidato, se intensificou.
Esse grupo, a partir da sua posse no governo em janeiro de 2019, segundo apurado, passou a utilizar a estrutura da Presidência da República e de gabinete parlamentares, inclusive mediante o emprego de perfis falsos para intensificar ataques cibernéticos contra a democracia, com ações calculadas e direcionadas para fomentar o aprofundamento dos ideais fascista no país, por meio do que veio a ser conhecido como “gabinete do ódio” e “Abin paralela”, que ora está sob intensa investigação.
A segunda CPI foi a da Pandemia da Covid-19, que avançou nas investigações e não deixou dúvidas quanto à responsabilidade do então presidente da República, quanto à sua atuação delituosa no exercício das suas funções, conforme constou no relatório final:
“Após quase seis meses de intensos trabalhos, esta Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia colheu elementos de prova que demonstraram sobejamente que o governo federal foi omisso e optou por agir de forma não técnica e desidiosa no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, expondo deliberadamente a população a risco concreto de infecção em massa. Comprovaram-se a existência de um gabinete paralelo, a intenção de imunizar a população por meio da contaminação natural, a priorização de um tratamento precoce sem amparo científico de eficácia, o desestímulo ao uso de medidas não farmacológicas. Paralelamente, houve deliberado atraso na aquisição de imunizantes, em evidente descaso com a vida das pessoas. Com esse comportamento o governo federal, que tinha o dever legal de agir, assentiu com a morte de brasileiras e brasileiros.
(…)
O Presidente da República repetidamente incentivou a população a não seguir a política de distanciamento social, opôs-se de maneira reiterada ao uso de máscaras, convocou, promoveu e participou de aglomerações e procurou desqualificar as vacinas contra a covid-19. Essa estratégia, na verdade atrelada à ideia de que o contágio natural induziria a imunidade coletiva, visava exclusivamente à retomada das atividades econômicas.”
Posteriormente, a CPMI dos atos de 8 de janeiro de 2023, de forma contundente, indiciou o ex-presidente pela prática de vários delitos, conforme constou no seu relatório final:
“O então presidente (Jair Bolsonaro) tem responsabilidade direta, como mentor moral, por grande parte dos ataques perpetrados a todas as figuras republicanas que impusessem qualquer tipo de empecilho à sua empreitada golpista. Agentes públicos, jornalistas, empresários, militares, membros dos Poderes: todos sofreram ataques incessantes por parte de Jair Bolsonaro e de seus apoiadores, muitos deles ocupantes de cargos públicos, que se utilizavam da máquina estatal para coagir e agredir pessoas.
(…)
Jair Messias Bolsonaro deve ser responsabilizado pelos tipos penais descritos nos arts. 288, caput (associação criminosa), 359-P (violência política), 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito) e 359-M (golpe de Estado), todos do Código Penal, por condutas dolosas.”
Em decorrência dos trabalhos e conclusões dessas três CPIs, os investigadores policiais já puderam delinear a existência de uma possível organização criminosa, formada no governo anterior, que atuava mediante a prática de várias infrações penais, com a finalidade de alcançar vantagens (1) de natureza política, para promover ataques virtuais a opositores, às instituições (STF, TSE), ao sistema eletrônico de votação e à higidez do processo eleitoral, culminando em tentativa de golpe de estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; (2) ataques às vacinas contra a Covid-19 e as medidas sanitárias vigentes durante a pandemia; inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde para falsificação de cartões de vacina; (3) utilização da estrutura do Estado com finalidades patrimoniais, pelo uso de cartões corporativos para obter suprimentos de fundos para pagamento de despesas pessoais, e desvio de bens de alto valor patrimonial (presenteados ao país por autoridades estrangeiras), com o fim de enriquecimento ilícito.
Pelas conclusões das CPIs, pela retirada do sigilo de vídeos e gravações e por outras informações tornadas públicas ao longo das investigações, podemos afirmar que está traçado o caminho para se buscar a responsabilização criminal do ex-presidente e do seu séquito golpista, diante das numerosas evidências espalhadas ao longo da atuação de uma organização criminosa nefasta, criada para atuar contra o país e as suas instituições.
Ao contrário da perseguição e da farsa jurídica montada contra o Partido dos Trabalhadores e o presidente Lula, aparelhada pela espionagem promovida pelo imperialismo norte-americano, que empregou a lava jato para enfraquecer a soberania brasileira, no caso de Bolsonaro e do seu entorno, a cada dia se evolumam as provas que revelam sua participação em ações criminosas, cujos objetivos eram implantar uma ditadura no Brasil, revogar o Estado Democrático de Direito, previsto na Constituição de 1988, e, ao longo do processo, se enriquecerem utilizando a estrutura do governo brasileiro.
Tudo demonstra que não há escapatória para o ex-presidente e seus asseclas e o Procurador-geral da República não tem outro caminho a não ser denunciá-los criminalmente, para que venham a responder por todos delitos que estão sendo apurados.
*Folena é advogado e cientista político. Secretário geral do Instituto dos Advogados Brasileiros e Presidente da Comissão de Justiça de Transição e Memória da OAB RJ, Jorge também coordena e apresenta o programa Soberania em Debate, do movimento SOS Brasil Soberano, do Senge RJ.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil