O que está em jogo na eleição venezuelana | Jorge Folena

"Temos que estar atentos e vigilantes diante das táticas de contrainformações utilizadas pelos sistemas de comunicação empresarial", diz Jorge Folena

Por Jorge Folena

Começo este texto com menção ao discurso que o doutor Ernesto Che Guevara fez na Assembleia Geral da ONU, em 11/12/1964, quando disse que: “… Já soou a hora final do colonialismo e de milhões de habitantes da África, Ásia e América Latina se levantarem ao encontro da nova vida e imporem seu irrestrito direito à autodeterminação e desenvolvimento independente de suas nações.”

Na véspera da eleição presidencial da Venezuela recomendo a leitura, na íntegra, para quem tiver interesse, do mencionado discurso do doutor Guevara, feito há quase sessenta anos, que trata, na verdade, do que está em jogo na eleição deste domingo, 28 de julho de 2024 na Venezuela, país que, por meio da sua revolução bolivariana, resolveu escrever para sempre sua história contra o imperialismo e a exploração por ele promovida.

Daí nos defrontamos com a necessidade de que as forças progressistas do mundo, que lutam contra toda forma de colonialismo, se unam contra as ameaças explícitas representadas pelas forças do atraso e do fascismo, que já deixam evidente que não aceitarão a vitória eleitoral de Nicolás Maduro.

Estive por duas vezes na Venezuela, sendo a primeira por ocasião da votação do referendo revogatório do mandato do presidente Hugo Chávez, em agosto de 2004, e a segunda foi em julho de 2006. E o que mais me encantou, nas duas oportunidades, foi ver o processo de transformação social em curso naquele país.

Nas oportunidades em que lá estive, chamou minha atenção a ampla campanha de alfabetização e educação política do povo venezuelano, que contou com a ajuda de diversos professores cubanos, numa clara ação de cooperação entre os dois países. Eu presenciei, nas ruas, as pessoas do povo dizendo, com orgulho, que estavam aprendendo a ler e, principalmente, a compreender o que estava previsto na nova Constituição do país, pois assim poderiam exigir os seus direitos.

À época, o presidente Chávez andava com um pequeno exemplar da Constituição no bolso da sua camisa e o exibia para incentivar a população a ler e compreender o pacto político firmado no país, que colocava a soberania popular no centro do poder, e não mais as instituições políticas. De fato, era algo muito diferente e democrático para um país latino-americano, pois o povo, inclusive, poderia revogar o mandato do seu presidente eleito, caso não mais concordasse com sua atuação à frente do governo.

Confesso que, vindo de um país como o Brasil, com uma forte formação liberal e autoritária, marcada desde a sua fundação, onde se normalizou a opressão e a crueldade sobre as classes subalternas, fui tomado de forte admiração por poder aprender algo novo e transformador, que até então não tinha visto.

Os líderes políticos da revolução bolivariana trouxeram ao debate político a necessidade da divisão entre todos os venezuelanos das riquezas do país, que antes beneficiavam somente a pequena parcela mais rica da população, que controlava a maior riqueza do país (o petróleo), por meio da Petróleo da Venezuela (PDVSA), que se beneficiava diretamente de sua entrega aos interesses dos norte-americanos e das “Sete irmãs” petroleiras (oligopólio formado principalmente pela Royal Dutch Shell, Anglo-Persian Oil Company, Esso, Standard Oil of New York, Texaco, Standard Oil of California e Gulf Oil).

Outra questão muito grave, denunciada à época por Chávez, era que a classe dominante venezuelana e muitas de suas empresas não pagavam tributos, beneficiando-se de isenções tributárias que, na prática, subtraíam do governo os recursos necessários para melhorar as condições de vida da população, a exemplo do que ocorre atualmente no Brasil, conforme denunciado pelo Presidente Lula.

De fato, opor-se aos interesses do império e de suas empresas multinacionais foi o que tornou o governo de Chávez (que sofreu um golpe de estado em abril de 2002) odiado pela classe dominante ocidental, que fez e faz até hoje um bloqueio covarde contra a Venezuela, arriscando a sobrevivência do seu povo.

Neste contexto, desde os tempos do governo de Hugo Chávez existe uma campanha sistemática para colocar o país no denominado “eixo do mal”, junto com outros países como Cuba, Nicarágua, Coreia do Norte, Irã, a China governada pelo partido comunista chinês e, mais atualmente, a Rússia.

De acordo com o que propagam os “civilizados” do ocidente, nesses países não há democracia e não se respeitam os direitos humanos e a imprensa livre. No entanto, é esta mesma classe dominante ocidental, tão crítica de Chávez e de Nicolás Maduro, que defende e aplaude o genocídio promovido pelo governo sionista de Israel na Palestina e apoia um governo ilegítimo na Ucrânia. Esta mesma classe dominante, que, por diversas oportunidades, tentou assassinar Nicolás Maduro e invadir a Venezuela com forças mercenárias.

Assim, o que de fato está em jogo na eleição presidencial da Venezuela no próximo dia 28 de julho de 2024, é a possibilidade de manutenção de um projeto de governo comprometido com a soberania e independência do país e a continuação da construção do que o presidente Chávez denominou de “socialismo do século XXI”, que, com a morte de Chávez, passou a ser liderado politicamente por Nicolás Maduro.

Ocorre que, do outro lado desse espectro, encontram-se as forças que defendem os interesses do imperialismo e do capitalismo exploratório, que atuam para impedir o avanço do mundo multipolar, que está sendo construído pelos países em desenvolvimento, em sua luta para ter uma soberania efetiva e com vistas a melhorar a vida de suas respectivas populações.

Respeito o posicionamento de muitos correligionários do campo progressista que se opõem a Maduro. Porém, entendo que é preciso compreender o que se passa com profundidade na Venezuela, que tem inegavelmente um governo eleito por seu povo, mas que, desde o primeiro dia do seu atual mandato, vem sendo desestabilizado pelas forças reacionárias do imperialismo internacional, o que revela o total desprezo destas pessoas pela democracia.

Na verdade, muitos dos que hoje integram as forças organizadas contra Nicolás Maduro participaram, de alguma maneira, da conspiração que conduziu ao golpe do impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff e à prisão ilegal do presidente Lula por mais de 580 dias, sem que ambos tenham cometido qualquer delito.

Portanto, temos que estar atentos e vigilantes diante das táticas de contrainformações utilizadas pelos sistemas de comunicação empresarial, que trabalham com mentiras e distorções da realidade para tentar impedir a vitória legítima das forças populares e progressistas, aqui, ali e em todos os lugares onde se luta contra o colonialismo.

Neste filme, muitas vezes reprisado, já sabemos que os porta-vozes dos interesses do neoliberalismo anunciarão a vitória de Maduro como fraude, uma vez que não atenderá aos objetivos traçados pela classe dominante internacional.

Como diz o Papa Francisco, “a América Latina continuará a ser vítima até que seja libertada do imperialismo explorador”. Por isso, encerro essa reflexão repetindo as palavras do doutor Ernesto Che Guevara: “Ou a América Latina se liberta como um todo ou jamais será livre!”



*Folena é advogado e cientista político. Secretário geral do Instituto dos Advogados Brasileiros e Presidente da Comissão de Justiça de Transição e Memória da OAB RJ, Jorge também coordena e apresenta o programa Soberania em Debate, do movimento SOS Brasil Soberano, do Senge RJ.

Foto: Rafa Neddermeyer/ Agência Brasil

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