O auditório do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro é um espaço histórico da esquerda na Cinelândia, coração do Centro do Rio de Janeiro. Ali, com uma vista panorâmica única do Parque do Flamengo, ao longo de décadas, engenheiros e engenheiras cerraram fileiras com movimentos sociais, parlamentares, militantes e sindicalistas em lutas históricas. Juntos, sonharam conquistas que se tornaram reais, impulsionando ação e esperança em igual medida.
Quando o sistema elétrico mostrou sinais de exaustão, era evidente que, depois de tantos anos de luta, o auditório precisava de – e merecia – uma reforma. O contexto nacional também pesou na decisão. A reconstrução do país, colocada em marcha pelo governo Lula antes mesmo da posse, pedia mais locais pensados para encontros entre aqueles que sonham um Brasil igualitário. Com a radicalização do neoliberalismo e seu produto direto, o fascismo, espaços de resistência são, mais que nunca, fundamentais.
O resultado deste investimento foi apresentado na última quinta-feira, 25/07, com a inauguração do novo espaço de eventos e produção audiovisual do Senge RJ. A festa recebeu parceiros históricos do sindicato para celebrar a reabertura do auditório, recepção e banheiros reformados e para a inauguração do Estúdio Camarada.
“Nós queremos transformar estes espaços, o auditório renovado e nosso novo estúdio, em locais de discussão política. Aqui queremos debater as questões pertinentes à engenharia e ao seu papel para a construção de um novo país. Queremos discutir e entender o que é o neoliberalismo e sua resultante direta, que é o fascismo. Queremos dar a nossa modesta contribuição, e foi por isso que, com muito esforço e pouco dinheiro, preparamos este espaço”, destacou Olímpio Alves dos Santos, presidente do Senge RJ.
Roberto Freire, presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros – Fisenge, parceira na construção e gestão do Estúdio Camarada, também destacou as conquistas que tiveram o auditório como palco. “Nós participamos da construção de um espaço privilegiado das lutas democráticas socialistas de transformação da sociedade. Este é um espaço por excelência dedicado a essas atividades no Rio de Janeiro. Nunca recebemos aqui ninguém para fazer proselitismo, que não fosse do nosso campo, que não estivesse conosco na luta contra as desigualdades, que não é só dos engenheiros, mas de todos e todas, por um Brasil soberano, vivo, senhor do seu destino, justo e igualitário”, destacou Freire.
Uma história de protagonismo
Para a reinauguração do auditório, o Senge RJ recebeu uma figura importante em sua história para apresentar uma análise de conjuntura. Jorge Bittar, ex-presidente do Senge RJ, ex-deputado e ex-presidente da Telebras, traçou um histórico político e social do Brasil a partir da luta pela redemocratização do país e da trajetória do Senge RJ no campo progressista, que se estabeleceu a partir dali. Era 1980, e um grupo de engenheiros e engenheiras de esquerda, liderados por Bittar, chegava à diretoria.
“Desde que aqui chegamos e tomamos posse de um sindicato até então dominado por forças conservadoras, fortemente vinculadas ao regime militar, sabíamos qual era a nossa missão. Os engenheiros eram chamados ‘profissionais liberais’, mas a imensa maioria dos profissionais eram assalariados. O sindicato não podia ser um espaço só para tomar um café no final da tarde. Ele tinha e tem que representar os engenheiros em todas as suas dimensões: como profissionais, na defesa de seus interesses salariais e condições de trabalho, e também em sua dimensão cidadã, como construtores de uma nação cada vez melhor”, contou Bittar.
Lembrando os primeiros anos de atuação do sindicato após o período de gestão à direita, Bittar falou da liderança dos engenheiros no movimento sindical no Rio de Janeiro e da participação do Senge RJ durante a redemocratização do país. O ex-presidente lembrou que, quando o Senge RJ deu início às mobilizações dentro de grandes empresas como Furnas e Embratel, não havia qualquer organização de trabalhadores.
“Não havia atividade sindical nessas empresas. Nós passamos a mobilizar os engenheiros e, através deles, os demais trabalhadores, de outras categorias profissionais. Produzimos um forte movimento sindical liderado pelos engenheiros. O Senge ofereceu uma grande contribuição à democracia no seu espaço de influência. Lideramos a Marcha das Estatais, fomos protagonistas na luta pela democracia, no movimento Diretas Já. Na Constituinte, como presidente do sindicato, estive em Brasília discutindo com os diversos comitês e fóruns. Os plenários da Câmara e do Senado eram inundados de representantes da sociedade brasileira e foi por isso que conquistamos uma Constituição extremamente progressista, a nossa Constituição Cidadã. Também fomos protagonistas importantes na formação da CUT”, lembra Bittar.
Parceiros e compromissos
Em uma mesa de abertura que reuniu representantes de entidades parceiras que caminharam ao lado do Senge RJ em sua trajetória, o consenso era de que, em momento de perigo para a democracia, a militância dos trabalhadores é fundamental. Falas e contribuições apontaram para objetivos comuns: é papel de engenheiros, engenheiras e das entidades da engenharia auxiliarem o governo Lula na reconstrução do país, defendendo os investimentos públicos como ferramenta para o desenvolvimento e o combatendo sistematicamente o fascismo.
Alberto Balassiano, ex-presidente da Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro – SEAERJ, destacou que as muitas perdas sofridas após a promulgação da Constituição Cidadã nos trouxeram até a encruzilhada que vivemos. “O grande desafio que temos neste momento é reverter a política econômica que está aí. Hoje, temos no Banco Central uma pessoa dedicada a sabotar o governo. Enquanto não superamos isso, temos que pautar as reestatizações, sob pena de perder os espaços democráticos que lutamos para conquistar. O sindicato tem esse papel importante a cumprir”, destacou Balassiano.
Para o conselheiro e candidato à Presidência do Clube de Engenharia, cargo que ocupou por duas gestões, Francis Bogossian defendeu uma união entre as entidades da engenharia para colaborar com a eliminação dos graves entraves no desenvolvimento soberano do país. “Acho que uma entidade como o Clube de Engenharia, onde sou candidato para voltar à presidência, deve dar as mãos aos sindicatos. Os interesses da nação brasileira estão aí, na mão dessas entidades. Juntos, precisamos – desculpe a pretensão – ajudar o presidente Lula a mais uma vez, retomar o desenvolvimento da nação. Lula já demonstrou o que quer para o Brasil duas vezes. Agora, ele precisa da nossa ajuda, mostrando que as exigências da Câmara Federal e as atrapalhações do Senado Federal precisam ser contidas. Nós temos que dar as mãos aos sindicatos das empresas e dos trabalhadores, às entidades nacionais, como o Clube de Engenharia, para levar adiante esses pontos importantes”, defendeu Francis.
Maria José Salles, diretora da Fisenge e ex-diretora do Senge RJ levantou tema importante para o campo progressista hoje: os espaços negados, no passado e ainda hoje, a mulheres e pessoas negras, para além da conjuntura de cada tempo. “Sou uma mulher preta que, aos sete anos, falava que seria engenheira. Tenho lutado a vida inteira na área à qual me dediquei, do Saneamento. Na minha época de escola de engenharia, as empresas iam à universidade buscar os engenheiros. Quando me formei, já não era assim. Venho dedicando anos da minha vida nessa luta”, defendeu.
O primeiro evento aberto ao público no auditório reformado acontecerá em 08 de agosto. Em “Uma história pouco conhecida: Os horrores da Ditadura na UFRRJ”, o diretor Jorge Antônio (Cacá) será moderador do debate que reunirá os ex-alunos Antônio Constantino de Campos, Delton Braga, Dorremi Oliveira, o professor do Departamento de História (ICHS/UFRRJ) Pedro Henrique Pedreira Campos e o jornalista, pesquisador e documentarista Igor Ferraz.
Rodrigo Mariano/Senge RJ | Fotos: Claudionor Santana