Eletricitários cobram mais atenção de Lula, para além dos discursos

O presidente segue afirmando em eventos públicos que a venda da Eletrobras foi um crime de lesa pátria, mas não há movimentos no governo pela reestatização e interesse privado está vencendo na conciliação; CNE vem tentando uma reunião, sem sucesso, desde o início do governo

Não é a primeira vez que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma que a privatização da Eletrobras foi um crime de lesa-pátria. Voltou a acontecer na última segunda-feira (26), quando Lula participava do anúncio da Política Nacional de Transição Energética, em Brasília. “Eu sonhei que a Eletrobras seria uma coisa tão importante quanto a Petrobras neste país. E é com muita tristeza que eu volto à presidência e encontro a Eletrobras privatizada. Aliás, ela não foi privatizada, cometeram um crime de lesa-pátria contra o povo brasileiro”, afirmou Lula.

Segundo Felipe Araújo, diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro – Senge RJ, no entanto, falta ação do Governo Federal pela reestatização, ou mesmo a demonstração de real interesse pela pauta. “Em determinados momentos, o presidente fala demais e age pouco. Em outros, fala de menos”, apontou Araújo em entrevista ao Faixa Livre na última terça-feira, 27 de agosto. 

Felipe destaca que o Coletivo Nacional dos Eletricitários vem tentando agendar uma reunião com o presidente desde o início de seu terceiro mandato, sem sucesso. “Nós fizemos parte do gabinete de transição, participamos de toda a campanha. Quando Lula estava preso, estávamos em Curitiba, na frente da Polícia Federal, dando o nosso apoio. Agora, não conseguimos nos reunir com o presidente da república que ajudamos a eleger”, lamenta Felipe.

A dificuldade de acesso e diálogo é precedida de uma decepção naquilo que parecia ser o primeiro – e, até agora, único – movimento do Governo pela retomada de seu poder de direito nas decisões dos rumos da empresa que leva energia a todo o Brasil. 

Negociata a portas fechadas

Em maio de 2023, o governo Lula, através da Advocacia Geral da União (AGU), questionou junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a cláusula que determina que, apesar de deter 42,6% das ações da Eletrobras, a União vote com o correspondente a apenas 10% na assembleia de acionistas da empresa. Naquele momento, era sinal de que o governo iria reagir ao que Lula já chamou, também, de “escárnio com o povo brasileiro”.

O encaminhamento da questão desaguou, em uma jabuticaba jurídica: uma ADI, cujo julgamento é prerrogativa do STF, guardião da Constituição Federal e responsável por apontar se determinada decisão contraria ou não a Carta Magna de 1988, seria resolvida em uma conciliação entre a AGU, o Ministério de Minas e Energia e a Eletrobras, a portas fechadas. E assim foi. Desde dezembro, após a decisão do ministro Nunes Marques, as partes passaram a se reunir na Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF).

“É vergonhoso que a saída encontrada tenha sido colocar a AGU, o MME e os controladores privados da Eletrobras em uma sala fechada para chegarem à uma conclusão sobre algo que é absolutamente inconstitucional. Não é à toa que quase sofremos um golpe de Estado. Nossas instituições são frágeis quando optam por servir ao capital. Não dá pra aceitar negociata em sala secreta sobre o que é público”, destacou Araújo. 

Após prorrogações de prazos, adiamentos e férias, a imprensa noticiou que um acordo estava sendo finalizado: a Eletrobras cederia cadeiras nos conselhos de Administração e Fiscal ao governo e adiantaria mais de R$ 20 bilhões que seriam originalmente pagos ao longo dos anos à Conta de Desenvolvimento Energético. Em troca, a Eletrobras passaria para a União sua participação na Eletronuclear. Para Felipe, trata-se de um engodo.

“Estamos percebendo, infelizmente, uma capitulação por parte da AGU. Já o MME tem se mostrado um Ministério de Medidas Entreguistas. Levamos a eleição, mas perdemos esse ministério. Os representantes do Estado brasileiro na mesa de negociação estão considerando trocar uma ou duas cadeiras a mais no conselho de administração. Acontece que quem manda de fato na empresa é a assembleia de acionistas, onde a União continuaria com 10% de poder de voto. A assembleia pode, inclusive, extinguir essas cadeiras na administração, a qualquer momento”, apontou Felipe.

Para o diretor do Senge, a manobra foge do objetivo inicial da ADI, uma vez que a questão nunca foi sobre o número de cadeiras no conselho de administração, mas pela retomada da capacidade de poder de voto retirado da União no processo cravado de ilegalidades que efetivou a privatização da Eletrobras.

“A luta do CNE é pela reestatização porque só isso significa fazer justiça de fato pelo povo brasileiro. Tentamos estabelecer diálogo, mas o medo de colocar um eletricitário na mesma sala que o presidente da república que ajudamos a eleger é algo que, do lado de cá, não conseguimos entender. Lula está certo: a privatização foi um crime de lesa-pátria. A empresa também é fundamental para que a transição energética aconteça de fato no Brasil. Sem uma empresa que consiga entregar uma orientação pública, centralizada, que organize minimamente o setor para colocar políticas públicas estruturantes em execução, não vai ter transição alguma. Porque o capital prefere o petróleo e vai continuar queimando a Amazônia, porque isso é que dá lucro”, alertou Araújo. 

 

Rodrigo Mariano/Senge RJ | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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