Por Jorge Folena*
Elon Musk postou na sua conta no X que o ministro Alexandre de Moraes um dia seria preso. “Marque minhas palavras”, cunhou ele sobre foto do ministro do STF. Este sujeito debochado fez sua manifestação à distância, ou seja, agiu como agem todos os covardes fascistas.
Musk é tão pusilânime que preferiu desempregar as pessoas que trabalhavam para ele no Brasil e optou por não ter mais nenhum representante legal de sua empresa no país, simplesmente para fugir da responsabilização por seus atos ilegais, como o descumprimento de decisões judiciais. Em suas redes, ele desafiou não apenas a autoridade da justiça brasileira, mas sobretudo a soberania do Brasil.
Vale lembrar que a incitação ao ódio e a propagação de ofensa e ameaças, como fazem os fascistas na rede mundial de computadores, “não estão abrangidas pela cláusula constitucional da liberdade de expressão e pensamento”, segundo a jurisprudência do STF.
Outro ponto importante a ser destacado é que a liberdade de imprensa e o direito à informação não são absolutos, pois existe a possibilidade de responsabilização posterior em caso de divulgação de notícias falsas, como decidiu o STF sobre a responsabilidade das empresas jornalísticas em decorrência da publicação de falsas acusações.
Segundo a tese fixada pelo Tribunal, no Recurso Extraordinário 1.075.412, é possível até mesmo a “remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais. Isto porque os direitos à honra, à intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana”.
Ou seja, quando a empresa X, de Musk, descumpre diversas ordens do Ministro Alexandre de Moraes determinando a retirada de conteúdos de incitação ao ódio e propagação de ofensas e ameaças, não está apenas desrespeitando a autoridade da justiça brasileira, mas sobretudo a soberania nacional e a Constituição.
Esclareço que o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) prevê que “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”
Ou seja, pela lei em vigor, a empresa de Musk pode ser responsabilizada por danos causados por terceiros, uma vez que não tomou as providências determinadas pela autoridade judiciária e descumpriu deliberadamente diversas ordens judiciais e a legislação brasileira, sujeitando-se, assim, à suspensão temporária de suas atividades, conforme prevê o artigo 12, III, do referido Marco Civil da Internet; além de poder responder pelo delito de desobediência e incitação à prática de delitos.
Neste ponto, o ministro Dias Toffoli já liberou para julgamento o Recurso Extraordinário número 1.037.396, no qual se debaterá a constitucionalidade, ou não, do mencionado artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Pelo encaminhamento da jurisprudência do STF sobre temas correlatos, como a responsabilização das empresas de jornalismo, em que prevaleceu o entendimento do “binômio liberdade com responsabilidade”, é possível projetar a declaração de constitucionalidade da referida norma, que atribuirá um parâmetro judicial definitivo contra a propagação de ódio e mentiras pela rede mundial de computadores e determinará a responsabilização das big techs.
A atuação do STF nesta questão ocorre por causa da omissão intencional do parlamento brasileiro, que, para atender aos objetivos políticos de manipulação da opinião pública (pela incitação ao fascismo) e aos interesses financeiros das poderosas empresas do segmento, deixou de legislar sobre o tema da regulamentação das fake news, deixando a internet como “terra de ninguém” para a prática dos mais odiosos delitos.
Duas outras ações judiciais relacionadas ao tema e interesse das big techs também foram liberadas recentemente para julgamento no STF. Uma delas é o Recurso Extraordinário número 1.057.258, relator ministro Luiz Fux, que trata da responsabilização dos aplicativos pelo conteúdo gerado por seus usuários e da possibilidade de remoção de conteúdos decorrentes de incitação ao ódio ou difusão de mentiras, que possam atingir e ofender a personalidade das pessoas. A outra é a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental número 403, relator ministro Edson Fachin, em que será analisada a constitucionalidade da ordem judicial que determina o bloqueio do aplicativo de mensagens WhatsApp, diante da liberdade de expressão e comunicação.
Em relação a este debate, considero importante lembrar que a Constituição brasileira estabelece que o Estado atuará “como agente normativo e regulador da atividade econômica”, e, sendo assim, as big techs não têm território livre para fazerem o que bem entendem.
Ao contrário do que alardeiam falsamente, a Constituição não exclui a intervenção do Poder Público na economia, e tanto é assim que o Estado não está impedido de participar diretamente dos empreendimentos econômicos, podendo fazê-lo quando relacionados à segurança nacional e ao interesse coletivo.
Ora, se o Estado tem a prerrogativa de agir como empreendedor, tem ainda mais o comando constitucional para intervir na economia em casos de relevante interesse coletivo e para a preservação da segurança nacional, principalmente nos assuntos relacionados à circulação de informações pela rede mundial de computadores, quando sejam disseminadas notícias falsas que atentem contra a população e a soberania do país.
Isto é, em situações excepcionais, não somente é possível como é necessária a intervenção do Poder Público, inclusive para defesa dos consumidores, como decidiu recentemente o Tribunal no julgamento da ação direta de constitucionalidade número 7.416 (15/08/2024), a fim de evitar qualquer ação tendente à desestabilização da ordem social, política, jurídica e econômica.
A regulamentação das atividades promovidas pelas big techs visa coibir os abusos promovidos por grupos econômicos, como fez Elon Musk contra Alexandre de Moraes, em desrespeito aos interesses da segurança do país.
Assim, se a empresa X optou por desafiar a autoridade da justiça brasileira e atacar a soberania do país, lançando-se à ilegalidade, entendo que foi corretíssima a determinação da suspensão de suas operações no Brasil, uma vez que a internet não pode constituir um espaço livre para a “atuação de grupos extremistas e de milícias digitais nas redes sociais com a massiva divulgação de discursos nazistas, racistas, fascistas, de ódio e antidemocráticos”, como ressaltou o ministro Moraes na em sua decisão na Petição 12.404, no STF.
*Folena é advogado e cientista político. Secretário geral do Instituto dos Advogados Brasileiros e Presidente da Comissão de Justiça de Transição e Memória da OAB RJ, Jorge também coordena e apresenta o programa Soberania em Debate, do movimento SOS Brasil Soberano, do Senge RJ.
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil