Em mais um dia de autoritarismo no Rio de Janeiro (des)governado pela extrema-direita, o deputado federal Glauber Braga (Psol RJ) foi detido e conduzido, em um caminhão gradeado, pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar do Rio de Janeiro, durante tentativa de reintegração de posse da reitoria da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ. A detenção aconteceu após enfrentamento entre a polícia e estudantes que ocupam a reitoria da universidade. Glauber estava no local, segundo nota do Psol, para proteção e defesa dos estudantes, dialogando por uma saída.
A ação do Batalhão de Choque da Polícia Militar de Cláudio Castro, que protagonizou, nos corredores e arredores da universidade, cenas que lembram o período da ditadura militar, foi autorizada pela juíza da 13ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), Luciana Lopes. Segundo informações da Agência Brasil, ela deu até o dia 19/09, quinta-feira, para que os alunos que ocupam a reitoria deixassem o local e autorizou o uso da força para a reintegração, além de multa diária de R$ 10 mil aos réus apontados na ação de reintegração de posse da reitoria: quatro estudantes e um servidor da UERJ.
“Não dá para naturalizar o que está acontecendo aqui. É, no final das contas, a ampliação do que já está colocado, que é a arbitrariedade consolidada. É impossível, isso”, declarou Glauber por trás das grades do ônibus do Batalhão de Choque.
Porta aberta para o fascismo
O advogado, cientista político e coordenador do projeto SOS Brasil Soberano, Jorge Folena, destaca a dimensão dos absurdos em série que culminaram na ação criminosa da Polícia Militar na tarde desta sexta-feira. Ele aponta que entre todos os envolvidos, apenas os estudantes e Glauber não erraram.
“Errou, e precisa ser responsabilizada por este erro, a reitora. Primeiro, porque a cassação das bolsas foi um ataque aos estudantes e ela tinha que se posicionar ao lado deles. Segundo, que, ela própria, por meio da procuradoria, pediu a reintegração de posse, contra os estudantes. Errou, também, a juíza. Nenhum magistrado deveria conceder uma liminar desta natureza porque é óbvio o que iria acontecer. Deveria ter marcado uma audiência de justificação, para que as partes sentassem e avaliassem se há ou não conflito. E não há: os alunos estão sendo esbulhados. Se o território é dos estudantes e, por força judicial, os expulsam de lá, o esbulho está sendo praticado contra eles”, explica Folena.
O advogado, que é presidente da Comissão de Justiça de Transição e Memória da OAB, chama atenção que a autonomia na segurança dos campos universitários existe, justamente, para evitar que forças externas entrem na universidade. Embora comum no período da ditadura militar-empresarial, a invasão de forças policiais a um campus universitário fere a própria democracia. “O que mais precisa ser lamentando nesta história é a invasão de um campo universitário. Não é à toa que estes espaços têm autonomia. As universidades têm as suas guardas, suas forças de segurança, porque ela é um território dos estudantes. Professores e demais servidores fazem parte da comunidade universitária, mas o principal corpo de uma universidade é o discente. A reitora errou, a juíza errou, a polícia errou”, destaca Folena.
Outros caminhos, segundo Folena, poderiam ter sido tomados para evitar o assombroso precedente aberto ao vivo pela TV e redes sociais. “A juíza poderia, além de marcar uma audiência, ter ido até lá dialogar com os alunos, dentro da universidade. Esse também é o papel de um juiz: mediar o impasse, chamar os representantes do Governo do Estado e a reitoria e mediar uma saída. Mas, não. A escolha foi mandar a polícia entrar para o espancamento. Foi violentada hoje não só a imunidade parlamentar de Glauber, mas também a autonomia universitária. Na ditadura isso era comum, mas no regime democrático isso não pode ser admitido. O que vimos hoje foi uma reitora abrindo as portas para o fascismo. Ela atentou contra todas as universidades brasileiras, criando um precedente perigoso. Precisa ser afastada e, se fosse uma pessoa correta, pediria demissão”.
A prisão de Glauber Braga na invasão do Batalhão de Choque acontece um dia depois de grande ato que reuniu uma multidão na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), contra a cassação do mandato de Braga na Câmara dos Deputados.
Ocupação estudantil legítima
Os estudantes ocupam a reitoria e parte dos edifícios da UERJ há quase dois meses em protesto contra a mudança de regras para a concessão de bolsas e auxílios de assistência estudantil. Os estudantes pleiteiam a revogação do Ato Executivo de Decisão Administrativa 038/2024, qeu alterou os critérios para a concessão da Bolsa de Apoio a Vulnerabilidade Social, de R% 706. Desde a mudança, para ter acesso à bolsa, é preciso comprovar renda familiar bruta, por pessoa, igual ou inferior a meio salário-mínimo. Com a mudança, segundo a UERJ, 1,6 mil benefícios foram cortados. Estes estudantes receberiam, pela proposta da reitoria, uma bolsa menor até dezembro, quando deixariam de receber o benefício.
Em entrevista à Agência Brasil, a reitora Guinar Azevedo e Silva declarou que os cortes foram motivados por falta de recursos: “Esse auxílio estudantil significa que a gente teria que acompanhar o que foi dado durante a emergência sanitária da pandemia de covid-19, foi um auxílio dado nessa época, um auxílio dado com a condição de ter disponibilidade financeira. A gente esticou até onde foi possível. Em julho, não havia mais disponibilidade financeira para continuar com esse auxílio, que era emergencial. O que nós fizemos foi um reajuste no critério de concessão. Na proposta de transição, que gerou uma reação muito grande, a gente conseguiu, depois de muito trabalho, junto inclusive ao governo, uma proposta de transição que paga R$ 500 e não R$ 700 para quem perderia o auxílio. A gente está falando em um total de 1,6 mil estudantes que perderiam e 1,2 mil continuam recebendo”. Sem os recursos necessários para manter as bolsas e incapaz de dialogar e defender os interesses dos alunos que representa, a reitora decidiu judicializar a questão no último dia 17/09, e pedir a reintegração de posse.
Rodrigo Mariano/Senge RJ | Com informações da Agência Brasil | Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil