Setembro Amarelo: é urgente a incorporação da saúde mental à agenda sindical

Doenças mentais e psicossociais, que levam ao suicídio precisam ser enfrentadas na agenda sindical, ainda que sejam problema complexo do ponto de vista da regulação nas relações de trabalho e da proteção trabalhista e previdenciária, levando à necessidade de compreensão e estratégias mais sofisticadas para garantir a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras

Entre as efemérides mensais que propõem a reflexão e desmistificação de importantes causas sociais e de saúde, o Setembro Amarelo é uma adição recente. Foi instituído em 2003 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como um mês dedicado à prevenção ao suicídio. Nestes vinte anos, os números diminuíram no mundo, mas as Américas seguiram na contramão desta tendência.

O tema foi sendo ampliado ao longo dos anos e o mês passou a ser visto como uma oportunidade de falar sobre as doenças mentais e psicossociais que levam aqueles que vivem com elas a atentar contra a própria vida. Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, 100% dos casos de suicídio estão relacionados a estas doenças, principalmente a casos em que não há diagnóstico e tratamento adequado.

O tema saúde do trabalhador nunca foi tratado com muita relevância na pauta sindical, mas será fundamental que o movimento se dedique e invista no tema.
Clemente Ganz Lúcio

Duas décadas depois do primeiro Setembro Amarelo, os transtornos mentais começam a ser entendidos como doenças típicas do trabalho. Em 2023, o Ministério da Saúde atualizou a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), que agora inclui transtornos como burnout, ansiedade, depressão e tentativa de suicídio como doenças do trabalho. No mesmo ano, foi sancionada pelo presidente Lula a lei que institui o Janeiro Branco, dedicado exclusivamente a estas doenças.

Segundo Clemente Ganz Lúcio, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, os sindicatos precisam entrar neste movimento, incorporando o tema à agenda sindical. “O tema saúde do trabalhador nunca foi tratado com muita relevância na pauta sindical, mas será fundamental que o movimento se dedique e invista no tema. Só assim será protagonista de pautas e propostas que recolocarão a proteção do ponto de vista da saúde do trabalhador como elemento estruturante das negociações, acordos e convenções coletivas”, destaca Clemente.

Pandemia, novas tecnologias e controle

A escalada das doenças psicológicas e emocionais acelerou após a pandemia da Covid 19. Forçadas a uma profunda e repentina mudança nas relações de trabalho durante o isolamento e as posturas das empresas no pós-pandemia se somam neste processo, mas há outros fatores envolvidos: “Os problemas e saúde mental, especialmente decorrentes de estresse, ansiedade, depressão são problemas que crescem no ambiente de trabalho, graças à pressão exercida pelas novas tecnologias e novos métodos de gestão, que aumentam a pressão sobre resultados, o controle de jornadas e a intensidade de trabalho, com forte repercussão na condição de vida e da própria presença no mundo do trabalho”, alerta Clemente.   

Os números confirmam: Só em 2023, entre afastamentos temporários e permanentes do trabalho relacionados às doenças psicossociais, foram concedidos 288.041 benefícios pelo INSS. No ano anterior, haviam sido 209.124 mil afastamentos por transtornos mentais. Segundo pesquisa da Associação Nacional de Medicina do Trabalho, 30% dos trabalhadores do Brasil são afetados pela síndrome de Burnout, tendo o excesso de trabalho como uma das principais causas. Entre 2020 e 2022, o número de ações trabalhistas relacionadas com a mesma síndrome, muito comum, também, quando há assédio, tiveram um aumento de 72%.

Experiências como a jornada de 4 dias, por exemplo, têm trazido resultados expressivos relacionados à redução da incidência dessas doenças, com melhor capacidade, para o trabalhador, de organizar sua agenda entre a vida e o trabalho.
Clemente Ganz Lúcio

O judiciário e o direito trabalhista também vêm tratando o assunto com atenção e a jurisprudência é positiva. Entre os casos julgados estão sentenças que determinam a realocações e adaptações para trabalhadores com síndrome de Burnout em razão da sobrecarga de trabalho, e o pagamento de danos morais decorrente de dispensa após quadro de depressão grave. O avanço mais recente foi a alteração da Norma Regulamentadora 1 (NR1), que trata dos riscos ocupacionais, que incluiu a gestão de riscos psicossociais entre as obrigações das empresas.

“Doenças psicossociais, como ansiedade, depressão são novos problemas que estão se colocando para o mundo do trabalho. Além de ser uma prioridade a ser conquistada na agenda sindical, é desafio que precisa ser enfrentado, uma vez que é muito mais complexo do ponto de vista da regulação nas relações de trabalho e da proteção trabalhista e previdenciária, levando à necessidade de uma compreensão e estratégias muito mais sofisticadas. É este entendimento que hoje abre as portas para a pauta da redução da jornada de trabalho. Experiências como a jornada de 4 dias, por exemplo, têm trazido resultados expressivos relacionados à redução da incidência dessas doenças, com melhor capacidade, para o trabalhador, de organizar sua agenda entre a vida e o trabalho. Tudo isso abre a oportunidade de novas pautas, bandeiras e novas lutas para o movimento sindical”, finaliza Clemente.

 

Rodrigo Mariano/Senge RJ | Foto: CANVA Pro

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