Trinta e seis anos de uma Constituição escrita para proteger o povo | Jorge Folena

"Precisamos incentivar Lula e seu governo a prosseguirem na luta para promover a justa distribuição da riqueza, como pretendiam os constituintes", diz Folena

Por Jorge Folena

Neste 5 de outubro de 2024, a Constituição de 1988 está completando trinta e seis anos de sua promulgação. O dr. Ulisses Guimarães referiu-se, com razão, à carta promulgada em 1988 como a Constituição Cidadã, aquela que veio para proteger o povo pobre e sofrido do Brasil, que vem sendo massacrado, humilhado e maltratado desde o início da colonização portuguesa.

É o que se pode ver pela saga de luta permanente dos povos indígenas; dos negros de ascendência africana, sequestrados em sua terra para serem aqui escravizados; do caboclo da Amazônia; do nordestino retirante e sem terra; dos tantos milhões que hoje sobrevivem, de forma insalubre e sem proteção do poder público, nas favelas das grandes cidades brasileiras.

Como dito pelo relator geral e guardião da Constituição Cidadã, José Bernardo Cabral, os constituintes de 1987/1988 tiveram o cuidado de colocar na parte inicial do Texto Maior os princípios fundamentais da República e da garantia dos direitos do homem, inseridos nos artigos 1º, 3º, 5º, 6º e 7º, em respeito ao povo brasileiro, anteriormente sempre colocado na parte final das Constituições.

O povo brasileiro, como destacou o professor Darcy Ribeiro, é da luta diária pela sobrevivência, que acorda muitas vezes às três ou quatro horas da manhã para trabalhar e, com sua força, construir este grande país; mas segue desrespeitado pela classe dominante nacional, que não reconhece o esforço desta gente negra, mestiça e pobre, que pouco ou quase nada recebe na distribuição das riquezas propiciadas pelo seu esforço e trabalho.

A Constituição redigida pelo dr. Ulisses e por Bernardo Cabral, Luiz Inácio Lula da Silva, Mário Covas, Florestan Fernandes, Benedita da Silva, e tantos outros constituintes, é aquela que veio para reparar o autoritarismo; e, mais do que isto, para dar cidadania a quem jamais a teve, aos que sempre lutaram por um pedacinho de terra para plantar e sobreviver com um mínimo de dignidade.

Ao contrário do que tentam incutir em nosso pensamento, visando acomodar e adormecer qualquer vestígio de rebeldia contra tantas injustiças, o passado do Brasil é marcado pelas lutas históricas do povo, cuja memória é apagada pela classe dominante do país, que, por meio da violência militar, massacrou populações indefesas, a exemplo da Guerra de Canudos (1896-1897), da Guerra do Contestado (1912-1916) e do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto (1937); sem esquecermos das violências praticadas durante o regime autoritário de 1964-1985, durante o qual civis foram presos, torturados, desaparecidos e mortos.

Ressalte-se que a Constituição de 1988 nasceu para abolir toda forma de autoritarismo e violência, representados pelas ditaduras do passado (1937-1945 e 1964-1985). Mas, infelizmente, esses males estão presentes, por conta do “passado não resolvido”, estratégia da classe dominante de jogar no esquecimento a memória do extermínio dos povos indígenas e as mazelas da escravidão. E, por não ter sido enfrentado nem esclarecido, seus fantasmas persistem na perseguição contínua contra a população negra, mestiça e pobre das favelas e periferias das cidades e do campo.

Descaso e descompromisso constituem as marcas características do olhar da classe dominante sobre a população, que foram registrados muitas vezes pela arte, como no poema “De frente pro crime”, do saudoso Aldir Blanc, em canção eternizada na voz de João Bosco: “Está lá o corpo estendido no chão”.

Esse massacre dos corpos periféricos e campesinos continua atualmente, como consequência dos cortes indiscriminados de direitos sociais feitos pelas chamadas “reformas” neoliberais dos governos de Temer e Bolsonaro, que, na verdade, deformaram a Constituição Cidadã.

Portanto, nestes trinta e seis anos da Constituição de 1988, precisamos incentivar o presidente Lula e seu governo a prosseguirem na luta para promover a justa distribuição da riqueza produzida por todos os brasileiros, como pretendiam Ulisses Guimarães e outros constituintes, que, ao estabelecerem os princípios fundamentais da República, visavam assegurar que o povo brasileiro pudesse, enfim: “construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Por fim, em respeito a esta data, é imperativo que todos que atentaram contra a Constituição, na intentona golpista de 8 de janeiro de 2023, sejam processados, julgados e, ao final, duramente responsabilizados para que nunca mais tenhamos ameaças à democracia no país. 

 


 

*Folena é advogado e cientista político. Secretário geral do Instituto dos Advogados Brasileiros e Presidente da Comissão de Justiça de Transição e Memória da OAB RJ, Jorge também coordena e apresenta o programa Soberania em Debate, do movimento SOS Brasil Soberano, do Senge RJ.

Foto: Joedson Alves/Agência Brasil

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