Após décadas de negociações e duramente criticado por movimentos europeus e sul-americanos, foi anunciado nesta sexta-feira (6), no Uruguai, o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. O anúncio foi feito pela presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que viajou a Montevidéu.
“Este é o início de uma nova história. Espero agora poder discuti-lo com os países europeus”, afirmou Von der Leyen, enquanto participava de uma coletiva de imprensa conjunta com os presidentes de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai para anunciar o acordo depois de 25 anos de negociações.
Agora, a Europa espera exportar carros, máquinas e medicamentos para o Mercosul, enquanto o bloco espera vender mais gêneros alimentícios, como soja e carne, para a Europa. “Este é um acordo ganha-ganha, que trará benefícios significativos para consumidores e empresas, de ambos os lados”, disse a líder europeia.
O acordo, no entanto, enfrenta forte oposição de diversos setores europeus e sul-americanos, desde movimentos populares de luta no campo, como a Via Campesina, até governos de direita, como o do francês Emmanuel Macron.
Organizações europeias e ativistas de esquerda acreditam que o projeto vai acelerar o desmatamento da Amazônia e agravar a crise climática ao aumentar as emissões de gases de efeito estufa. O Greenpeace o classifica como um texto “desastroso” para o meio ambiente e a Via Campesina acusa o acordo de violar a soberania dos países.
Em março, movimentos de luta no campo articulados na Via Campesina repudiaram o acordo em um comunicado em que pediam a Lula que “escute o clamor dos povos do campo, águas e florestas e coloque fim às negociações em curso e dê espaço a construção de um projeto popular de desenvolvimento nacional para o Brasil”.
“O acordo em pauta representa um retrocesso para o Brasil e para os países do Mercosul no âmbito do desenvolvimento socioeconômico, bem como um ataque frontal à soberania dos nossos países”, destaca o comunicado. Os movimentos populares destacam que o acordo foi “foi rechaçado há mais de 20 anos” e o texto atual, retomado em 2019, representa “o DNA bolsonarista na sua essência sem nenhum compromisso com o desenvolvimento do nosso país.”
“O acordo assume caraterísticas neocoloniais na sua concepção e ameaça, em seus termos, nossos povos e territórios, ameaça a agricultura camponesa, as comunidades tradicionais e entrega nossos bens comuns aos interesses do capital internacional, consolidando assim o caráter agroexportador da nossa economia, que é basicamente continuar exportando matéria-prima para abastecer as demandas dos países europeus em troca dos produtos industrializados.”
A desregulamentação dos mercados, os acordos de livre comércio e, em particular, a negociação do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul são as principais causas da grave crise enfrentada pelos agricultores europeus na avaliação da Via Campesina.
Pressa
Os presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, membros fundadores do Mercosul estão em Montevidéu para reunião do bloco. Na véspera, Ursula von der Leyen havia declarado que “o objetivo do acordo UE-Mercosul já está à vista. Vamos trabalhar, vamos cruzar a linha de chegada. Temos a oportunidade de criar um mercado de 700 milhões de pessoas”, escreveu Von der Leyen, que fez uma parada em São Paulo a caminho da capital uruguaia.
Nesta quinta-feira (5), os ministros das Relações Exteriores dos países do Mercosul abriram formalmente a cúpula de dois dias do bloco, depois que o ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Omar Pagani, realizou uma reunião bilateral com o novo comissário europeu para o comércio, Maros Sefcovic.
Da perspectiva da UE, Alemanha e Espanha pressionaram para concluir o pacto com o Mercosul até o final do ano. Do lado de cá, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, também buscou fechar o acordo a todo custo. Lula queria anunciar o acordo no encontro do G20 no Rio de Janeiro (RJ), expectativa frustrada pela negativa do presidente francês, Emmanuel Macron, que tem liderado a posição contrária ao acordo no bloco europeu.
Oposição nos governos
Pouco antes da chegada de Von der Leyen a Montevidéu, o presidente francês, Emmanuel Macron, reiterou a ela que o projeto de acordo comercial é “inaceitável em seu estado atual”. “Continuaremos a defender incansavelmente nossa soberania agrícola”, acrescentou a presidência francesa em uma mensagem no X.
As negociações, paralisadas depois que um acordo de princípio foi alcançado em 2019, foram retomadas nos últimos meses a pedido da Comissão Europeia, que determina a política comercial para toda a UE. O texto prevê a eliminação de grande parte das tarifas entre as duas zonas, que têm mais de 700 milhões de consumidores e um PIB combinado de US$ 21,3 trilhões (cerca de R$ 130 trilhões).
Os sindicatos agrícolas da UE o rejeitam porque sua produção não está sujeita às mesmas exigências ambientais e sociais, nem aos mesmos padrões sanitários, que a do bloco sul-americano.
O Parlamento francês rejeitou ao final de novembro, por 484 votos a 70, o acordo de livre comércio negociado entre a União Europeia e os países do Mercosul, após uma votação na Assembleia Nacional. A votação não vinculativa ocorreu uma semana após o início de uma campanha de agricultores contrários a esse acordo comercial, para o qual apenas a Comissão Europeia está autorizada a negociar em nome dos 27 Estados-Membros.
Toda a classe política francesa, da esquerda radical à extrema direita, manifestou a sua oposição ao acordo. Os países europeus favoráveis ao acordo pressionavam para concluir as negociações antes da posse do republicano Donald Trump e a possibilidade de um aumento geral nas tarifas alfandegárias.
Fonte: Brasil de Fato | Edição: Rodrigo Durão Coelho