O último programa Soberania em Debate de 2024 recebeu o ex-ministro José Dirceu para a difícil tarefa de projetar o novo ano em meio a uma conjuntura de democracia enfraquecida e avanço contínuo da extrema-direita mundial.
Enquanto o apoio das big techs e grandes corporações ao projeto neofascista global de domínio anti-iluminista da extrema-direita aperta o passo, no Brasil, um de seus balões de ensaio no início da década de 2000, a luta não é nova: um país com enorme potencial busca a soberania nacional por meio da industrialização e inovação e, justamente por isso, enfrenta a pressão do mercado financeiro, uma poderosa elite conservadora e antinacionalista e contradições impostas pelo momento político.
“Estamos revisitando nossa história”, explica Dirceu. “O capitalismo, com o agro, é hegemônico, o Estado foi desmontado e o pacto político celebrado com a Constituição de 1988 foi quebrado em três momentos: o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, a Operação Lava Jato e a tentativa de golpe contra o presidente Lula. Está rompido o pacto nacional e Lula está tentando reconstruí-lo”.
Erodindo as forças do governo, uma queda de braço com o mercado vem forçando o desmonte do estado de bem-estar social. Em nome de uma visão tecnocrata que os próprios países que a impõem não seguem, o governo é impedido de investir em desenvolvimento e é obrigado a trabalhar para garantir o déficit zero.
“O Brasil precisa de um ajuste fiscal? Então aprovemos a Reforma Tributária sobre lucros e dividendos. Em qualquer país do mundo lucros e dividendos pagam impostos. Desvincular o Bolsa Família, BPC e salário mínimo da inflação, do crescimento econômico, é desvalorizar [essas políticas e benefícios]. Quem paga o preço do ajuste não é o 1% da população que detém um terço da renda nacional, nem os 10% que detém metade do restante, mas a grande população. Iremos pagar de dívida pública, com correção monetária e renúncia fiscal, R$ 1 trilhão, mas quando precisamos cortar gastos são os R$ 400 bilhões dos programas sociais que têm que pagar?”, indagou.
Saída pelas urnas
O rearranjo global vem consolidando um mundo multipolar. Países como China, Rússia, Turquia, Irã e Indonésia despontam como novas potências, e o Brasil ocupa um espaço confortável nessa disputa: poucos países têm um PIB de dois trilhões, mais de 200 milhões de habitantes e mais de dois milhões de quilômetros quadrados. Apenas cinco reúnem as três características.
“O momento é promissor para o Brasil. A COP 30, os acordos estratégicos com a China, o PAC e os investimentos em habitação, infraestrutura, energia, a reorganização da malha ferroviária e rodoviária, o crescimento da indústria de fármacos apontam para isso. O Brasil pode e deve crescer, mas, para isso, precisa de um pacto político.
Com um país radicalizado à direita e um governo limitado pela aliança firmada para vencer o fascismo, Dirceu aponta que o único caminho é pelo fortalecimento da força político-eleitoral das esquerdas. “Temos um desafio: elevar o nível de consciência e mobilização no país. Sem isso, dificilmente conseguiremos implementar as reformas necessárias. Haddad avançou muito, com a taxação de offshores, fundos exclusivos, fez um esforço para diminuir as despesas tributárias e renúncias fiscais, mas é o parlamento que decide. Quem tem que resolver isso não é o mercado, mas o Congresso Nacional. Nós não podemos sair de uma ditadura militar e entrar em uma ditadura do mercado. Precisamos pensar em um cenário que possibilite que, em 2026, tenhamos outro cenário de correlação de forças na Câmara e no Senado”, destacou.
O mundo só gira para frente
Inteligência Artificial, robótica, financeirização, desmonte do Estado Nacional, ascensão da China, Rússia, Índia, Turquia, Irã. Sindicatos esvaziados e sem recursos para se manter. O mundo mudou profundamente, bem como a classe trabalhadora. Ele vai seguir em mudança mas, apesar dos retrocessos, conquistas não retroagem completamente.
É este fato provado pela história que mantém José Dirceu otimista, apesar da conjuntura difícil. “Nem o nazifascismo conseguiu parar a roda da história e fazer retroagir fatores objetivos históricos. As forças que agem hoje no mundo são a da guerra, do unilateralismo, do hegemonismo americano e do neocolonialismo. É a volta da xenofobia e do racismo. Nos próximos anos vai se travar uma batalha no mundo entre a paz e a guerra, a liberdade e o autoritarismo. E vamos vencer, como vencemos tantas outras”, finaliza.
O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTube, todas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa e do cientista social e advogado Jorge Folena, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra. O programa também pode ser assistido pela TVT aos sábados, às 17h e à meia noite de domingo. O programa também pode ser assistido pelo Canal do Conde.
Texto: Rodrigo Mariano/Senge RJ | Fotos: Agência Brasil