Para parte da sociedade — aquela que evita o uso do termo “fascismo” para caracterizar movimentos político-sociais modernos — o fenômeno violento e desumano é visto como uma questão europeia, de um tempo passado. As tragédias alemã e italiana, como vieram, se foram. Para o jornalista, cientista político e professor Roberto Amaral, no entanto, o fascismo permanece. Intermitente, ele se reinventa como parte inerente ao capitalismo, de cuja lógica o próprio fascismo se alimenta como resposta às suas crises.
“Não é verdade que o fascismo precisa surgir na Itália, como foi no tempo de Mussolini. Ele ressurgiu, por exemplo, na Alemanha, como nazi-fascismo. É isso que ele faz: muda, se transforma. O fascismo alemão, com aspirações expansionistas e sua loucura antissemita, era diferente do salazarismo de Portugal, que é diferente da experiência brasileira durante a ditadura militar. Mas sabemos o que é o fascismo e como ele termina. Sabemos o preço que a humanidade pagou — e que ainda hoje está pagando. O preço da barbárie, do genocídio, do terrorismo que não morreram com os campos de concentração alemães”, destacou o professor.
Amaral foi o último palestrante do projeto Radiografias do Fascismo, uma série de encontros promovidos pelo Senge RJ que buscou identificar padrões e explicar, em detalhes, os diferentes aspectos do fenômeno. A primeira palestra, em agosto de 2024, tratou do Fascismo Estrutural, com o professor Michel Gherman. Em setembro, Breno Altman abordou Fascismo e Colonialismo. Na sequência, José Genoíno discutiu A extrema-direita na política. Em outubro, Fascismo e Lawfare foi o tema da palestra de Henrique Pizzolato. Encerrando o ciclo, Roberto Amaral apresentou uma leitura histórica do fascismo e um apelo pela resistência.
A resistência tem sido insuficiente
A mensagem de Amaral foi de máxima urgência e de profundo desejo por organização e resistência. Elementos fascistas já reaparecem, inclusive, em territórios onde o fascismo já esteve no poder — como Itália, Alemanha e Brasil. Não por acaso, um genocídio ocorre em Gaza sob o silêncio cúmplice da civilização ocidental cristã.
Para Amaral, há uma fuga deliberada no debate político contemporâneo na tentativa de esquivar-se da palavra “fascismo” — muitas vezes em nome de uma suposta neutralidade acadêmica ou equilíbrio político. “Não existe a possibilidade de se criar um conceito fechado para algo que não está morto. Não se pode exigir que uma nova experiência repita, ponto a ponto, as experiências italiana e alemã, elas próprias diversas entre si”, argumenta o professor.
Todos os sinais estão postos: a exaltação da identidade nacional, a supremacia racial, o terrorismo de Estado, a paixão pela morte, o aniquilamento da oposição e o monopólio ideológico. Eles ganham corpo em meio à crise da hegemonia americana, enquanto as forças neofascistas voltam a instrumentalizar a insatisfação popular e a fomentar uma corrida armamentista sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial.
Apesar disso, destaca Amaral, as esquerdas têm falhado em organizar uma resistência à altura, como conseguiram em outros tempos. “Ainda não estamos vacinados contra a expansão do extremismo de direita. A resistência organizada tem falhado — no mundo e no Brasil. Nosso governo, o governo do presidente Lula, não está conseguindo responder ao desafio histórico. Isso ajuda a explicar a crise política e o crescente afastamento das bases populares. Nossos partidos quedam na inércia, incapazes de interpretar a realidade, sem projeto. E a história já antecipou, no século passado, o que podemos esperar deste cenário”, alertou.
O ciclo de palestras, que buscou compreender, identificar e desnudar o fascismo, termina com um alerta para um futuro que tende à barbárie, a menos que a classe trabalhadora se organize para enfrentá-la.
“Hegel e Marx diziam que a história se repete: uma vez como tragédia e outra como farsa. Devemos olhar com atenção para a história para que, conhecendo bem a tecitura histórica e social do horror que foi a emergência do fascismo na Europa, possamos evitar que, agora, ele chegue a nós como uma nova tragédia, embora nada nos estimule a acreditar que algo que desponta à luz do sol possa ser apenas uma farsa”, concluiu Amaral.
Veja também as palestras anteriores do ciclo: