A PJotização e o futuro do trabalhador (ainda) sem proteção sindical

Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF), ao que tudo indica, se prepara para o que é visto por alguns como um possível golpe nos direitos dos trabalhadores, Clemente Ganz Lúcio aponta caminhos para a organização e resistência de milhões de trabalhadoras e trabalhadores que prestam serviços como Pessoa Jurídica (PJ).

A contratação de trabalhadoras e trabalhadores como Pessoa Jurídica se tornou norma, impulsionada pela Reforma Trabalhista de Michel Temer. O modelo, em si, não é ilegal. Segundo o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Sandro Carvalho, “Trabalhadores altamente qualificados, como médicos, advogados e até alguns jornalistas, podem preferir ser PJ, porque assim pagarão menos impostos e poderão obter, de forma privada, os benefícios associados a uma carteira de trabalho. Eles podem contratar uma previdência privada, um seguro de saúde privado, etc.”. Ele aponta que o problema começa quando ocorre a PJotização: a contratação de um empregado como PJ para cortar custos trabalhistas.

A PJotização – bastante conhecida por engenheiros, principalmente em áreas como tecnologia, construção e consultoria – acontece quando o profissional é contratado como empresa, mas um ou mais elementos característicos do vínculo empregatício estão presentes, como a subordinação direta e a pessoalidade. Assim, a política pública do segundo governo Lula, que buscava estender direitos a empreendedores até então desprotegidos, foi corrompida pelo mercado em um meio de precarizar ainda mais o trabalho.

Os números apontam para o crescimento: no final do último ano, o Brasil possuía 13,2 milhões de Microempreendedores Individuais (MEI), segundo o IBGE. Em 2019, antes da pandemia, eram 9,2 milhões. Hoje, eles representam 69,7% das empresas em atividade no Brasil e 19,2% dos ocupados formais. Todos esses trabalhadores não têm acesso a um elemento fundamental para garantir direitos, benefícios e dignidade no trabalho: os sindicatos.

Uma organização por vir

O sociólogo Clemente Ganz Lúcio destacou, em entrevista ao programa Soberania em Debate, no último Dia do Trabalho (1º/5), que este é um desafio do chamado “novo mundo do trabalho”. Segundo ele, “é preciso desenvolver formas de organização sindical para esse conjunto de trabalhadores. Isso significa pensar formas organizativas para profissionais que não são contratados via CLT, mas que precisam ter algum tipo de organização. Ela ainda precisa ser criada. Nós precisamos, especialmente, dar capacidade para que esses trabalhadores consigam imaginar de que maneira se organizarão”.

Clemente aponta que será algo novo, mas, ao mesmo tempo, não o será. Independentemente de como a organização será feita ou de que meios serão usados para que ela ocorra, o que nascerá, ao final, será um sindicato.

“O sindicato deles será diferente de um sindicato de metalúrgicos ou bancários, mas a atividade sindical seguirá sendo a mesma: farão a pauta, negociarão, conquistarão os direitos e disputarão políticas públicas para gerar benefícios para os trabalhadores. A função básica continuará a mesma. De forma diferente, talvez com pautas e processos de negociação distintos, mas continuarão fazendo aquilo que os trabalhadores sempre fizeram”, aponta o sociólogo e coordenador do Fórum das Centrais Sindicais.

Para exemplificar a organização em novos modelos de trabalho, Ganz Lúcio cita os motoristas e entregadores mediados por aplicativos que, segundo a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), somam 2,2 milhões de pessoas hoje no Brasil. Ele destaca que o “breque dos entregadores”, em 31 de março e 1º de abril, foi, ao fim e ao cabo, uma greve. “Não importa como você chama, como organiza. O fato é que eles fizeram o que os trabalhadores fazem: preparam a pauta, apresentam-na, negociam, fazem a greve, negociam mais, saem da greve e tocam a vida. Só que cada um terá que descobrir em seu novo contexto como fazer isso. É muito diferente organizar o ‘breque dos entregadores’ e a greve dos metalúrgicos. Mas dá tanto trabalho quanto, é tão difícil quanto. Assim é a vida”, aponta.

Tanto a PJotização quanto os trabalhadores plataformizados estão contemplados nas prioridades da Pauta da Classe Trabalhadora 2025, entregue pelas Centrais sindicais ao presidente Lula no último dia 29/04.

Suspensão do tema pelo STF

A decisão do ministro Gilmar Mendes de suspender todos os processos do país que dizem respeito à licitude dos contratos com pessoas jurídicas para a prestação de serviços nos quais estão presentes os elementos característicos de relações de emprego pode significar que esses trabalhadores venham a precisar ainda mais de sindicatos em breve.

O motivo, segundo o ministro, é jurídico-administrativo: milhares de processos de trabalhadores contratados como PJs em busca do reconhecimento do vínculo empregatício chegam às Varas do Trabalho todo ano. De acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), de 2020 a março de 2025, foram ajuizadas 1,21 milhão de reclamações trabalhistas sobre o tema. O ministro busca uniformizar o entendimento sobre a matéria, pacificando a questão em todo o país.

O STF tem cassado decisões da Justiça do Trabalho que reconheceram vínculos de emprego em casos de terceirização, e, por isso, a recente suspensão vem causando reações. Em entrevista ao programa Bom Dia, Ministro, Luiz Marinho, ministro do Trabalho, ao falar sobre a PJotização do emprego, citou Gilmar Mendes: “Creio que o ministro Gilmar Mendes tem lá suas motivações jurídicas, e eu espero que as motivações sejam plenamente jurídicas. Espero que, no caso da decisão do ministro do Supremo, esteja colocado um processo para uma chamada de diálogo sobre o assunto”, declarou Marinho.

Segundo o jornal O Globo, o ministro do STF teria ligado para o presidente Lula para reclamar do tom de Marinho. Mendes e Marinho teriam conversado no começo desta semana, e o ministro do Supremo teria respondido que ir contra a pejotização seria o mesmo que “defender o condutor da carruagem contra o avanço dos carros”.

Na última quarta-feira (7/5), juízes do Trabalho em diversas capitais do país fizeram manifestações em defesa das competências constitucionais da Justiça do Trabalho. A mobilização foi apoiada pelas 24 Associações de Magistrados do Trabalho, pela Associação Nacional das Magistradas e dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), pela Associação Brasileira de Advocacia Trabalhista (Abrat) e pela Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT).

Rodrigo Mariano/Senge RJ (com informações da Agência Brasil, O Globo e Migalhas) | Fotos: 

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