Viveremos a mais importante das 30 COPs para o destino do mundo, destaca Carlos Nobre

Convidado do Soberania em Debate, o cientista destacou que, do longo histórico de reuniões de países signatários, a do próximo mês de novembro será fundamental para decidir se vamos ou não enfrentar profundas mudanças no planeta e, talvez, a nossa própria extinção.

A COP 30, que acontecerá no Pará no próximo mês de novembro, vem sendo considerada por cientistas climáticos a mais importante de todas as conferências das partes (COPs) já realizadas. O motivo não é bom: não temos mais tempo.

Antes dela, duas outras foram de grande importância e poderiam ter garantido uma situação mais tranquila hoje, se tivessem avançado: a primeira foi a de Paris, em 2015, quando, pela primeira vez, os países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) concordaram ser necessário frear o aumento da temperatura no planeta. Não podíamos ultrapassar 1,5 grau de aquecimento. Para isso, seria necessário reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 75% até 2050 e zerar até 2100.

Onze anos depois, em 2021, na COP 26, em Glasgow, o consenso científico apontava que, ao chegarmos a 2 graus, teria início a extinção dos recifes de corais no mundo, responsáveis por 25% da biodiversidade oceânica. Os objetivos, então, mudaram e o tempo para a reação encurtou: a nova meta era reduzir em 43% as emissões até 2030 e zerar o saldo de emissões em 2050.

O limite indicado pela ciência foi ultrapassado no primeiro semestre de 2023, em 2024 e nos primeiros quatro meses de 2025. Com a temperatura 1,55º mais quente desde o último período interglacial, há 120 mil anos, o ano de 2024 registrou uma explosão dos fenômenos climáticos — zonas de calor, incêndios florestais, secas, chuvas excessivas — como já projetado. Foi, também, o ano com o maior registro de emissões da história e, em 2025, elas não baixaram.

Hoje, o entendimento é que as emissões devem ser zeradas até 2040.

“A COP 30 tem que ser tão importante quanto foi o Acordo de Paris em 2015, como foi a COP 26, em 2021. As que vieram depois, no Egito, Dubai e Azerbaijão, não trataram da possibilidade de atingirmos o limite muito antes de 2050. O presidente Lula foi muito claro: ‘Temos que zerar as emissões até 2040’. Esse é, obviamente, um desafio importantíssimo. As emissões devem ser reduzidas muito mais rápido do que se planejava. Se a COP 30 não alcançar isso, passaremos a caminhar sob um risco enorme.”

A afirmação, que tem firmes bases na ciência, foi feita por Carlos Nobre no Soberania em Debate do último dia 31 de julho. O renomado climatologista e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP) apontou os muitos sinais da urgência que o planeta enfrenta, como o descongelamento do permafrost, liberando grandes quantidades de metano — gás com poder de aquecimento dezenas de vezes maior que o dióxido de carbono.

Amazônia em perigo

A Amazônia é a maior floresta tropical do planeta e abriga a maior biodiversidade conhecida. Ela mantém a estabilidade climática e regula o regime de chuvas em grande parte da América do Sul por meio dos chamados “rios voadores”.

Segundo Nobre, a umidade transportada pelos ventos alísios a partir do Atlântico condensa-se sobre a floresta e retorna ao solo como chuva. As árvores absorvem essa água e liberam novamente para a atmosfera por transpiração, alimentando um ciclo que se repete de cinco a sete vezes antes de seguir para o interior do continente.

“Mais de 50% das chuvas do Cerrado dependem desse vapor d’água. Sudeste também. O processo mantém 30 a 40% das chuvas do Sul do Brasil, do Uruguai, do Paraguai e do Nordeste da Argentina. Se a floresta colapsar, perderemos esse serviço ecossistêmico vital. Será praticamente impossível manter a temperatura baixa e vamos induzir uma mudança de vegetação do Cerrado, com grande parte se transformando em Caatinga”, destaca Nobre.

Além das mudanças climáticas, a degradação amazônica traz riscos de saúde pública. Estudos recentes identificaram 48 vírus com potencial epidêmico na região. Dois deles — as febres Mayaro e Europust — já se tornaram epidemias em 2024. Alguns são capazes de se transmitir entre humanos, como a COVID-19.

O cientista alertou que mais de 50% da Amazônia já apresenta aumento na mortalidade de árvores e que o sudeste da floresta — especialmente no sul e norte de Mato Grosso — já se tornou fonte de carbono, emitindo mais do que absorve. Na década de 1990, a Amazônia chegava a remover 1,5 bilhão de toneladas de gás carbônico por ano. Hoje, essa capacidade está gravemente reduzida.

“Se passarmos do ponto de não retorno, a floresta entrará em um processo de autodegradação, tornando-se um ecossistema aberto, com poucas árvores e alta degradação. Isso tornará praticamente impossível manter o aquecimento abaixo de 1,5°C.”

O papel do Brasil

Em 2023 e 2024, o Brasil vinha avançando na redução do desmatamento na Amazônia e no Pantanal, mas o revés foi forte. O projeto do PL da Devastação, integralmente vetado pelo presidente Lula, é mais uma das contradições com o compromisso com a reversão da degradação do planeta.

Com um agronegócio poderoso e políticos negacionistas, o Congresso aprovou um projeto de lei que irá acelerar o desmatamento. Todos os biomas nacionais estão em risco. Se o veto cair, a expansão do agronegócio será histórica. A área de agricultura e pecuária deve atingir ⅔ do território nacional — 5,6 milhões de quilômetros quadrados. Perderemos grande parte da biodiversidade, jogaremos uma quantidade gigantesca de gás carbônico no ar e diminuiremos drasticamente os rios voadores. O clima mudará radicalmente.

“Se eles derrubarem o veto de Lula, isso precisa ir para o STF. Não podemos deixar isso acontecer. O projeto de lei que precisamos é o inverso desses: precisamos zerar a degradação e o fogo e criar uma gigantesca restauração em nossos biomas. Só assim vamos salvar a maior biodiversidade do nosso planeta”, defende o cientista.

O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTubetodas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra.

As entrevistas também podem ser assistidas pela TVT, Canal do Conde, e são transmitidas pelas rádios comunitárias da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias – Abraço Brasil.

Senge RJ| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

 

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