O programa Soberania em Debate, do Senge RJ, recebeu o engenheiro Afonso Carneiro Filho, especialista em transporte ferroviário, para discutir os rumos da malha ferroviária nacional. Com mais de três décadas de experiência no setor, Carneiro fez uma análise crítica do modelo de concessões adotado no Brasil desde os anos 1990 e apontou alternativas para recuperar a relevância do transporte sobre trilhos.
Segundo o engenheiro, o país chegou a ter cerca de 38 mil km de ferrovias nos anos 1960, resultado de um ciclo iniciado ainda no Império, com a inauguração da Estrada de Ferro Mauá em 1854. Esse patrimônio, no entanto, foi progressivamente desmontado. O destaque é para o período entre 1996 e 1998, durante o governo FHC, quando houve a divisão entre transporte de cargas e passageiros e os trechos foram concedidos em contratos de 30 anos.
“Dos 28 mil quilômetros concedidos, apenas de 10 a 18 mil km foram utilizados, esporadicamente. Parte das linhas foi abandonada.”, explica Afonso. O problema, segundo ele, estava no modelo: as concessionárias recebiam trechos superavitários, corredores de exportação, mas também outros de menor monta, um serviço público para a iniciativa privada explorar. Os investimentos, no entanto, foram concentrados nos corredores de exportação.
As concessões vencem a partir deste ano, até 2028. O processo vem sendo marcado pela devolução de mais trechos, reduzindo ainda mais a malha ferroviária nacional. “O governo está correndo atrás para renovar os contratos mas o fato é que 8 mil quilômetros já haviam sido abandonados e, agora, outros 10 mil serão devolvidos. A malha ferroviária continua diminuindo”, alerta o especialista.
O modelo desfuncional
O motivo da experiência mal-sucedida é o mesmo visto em outras áreas nas quais serviços públicos foram concedidos à iniciativa privada. “As agências se aproximaram demais dos concessionários, os investimentos que deveriam acontecer não foram realizados e a fiscalização do patrimônio deixou muito a desejar”, explica Carneiro.
A otimização das linhas pela iniciativa privada criou outro obstáculo que hoje se coloca como desafio para alguns trechos. A manutenção de oficinas e máquinas, que exigem um alto investimento em recursos, foi reduzida. Oficinas foram fechadas e a manutenção foi concentrada nas poucas que foram mantidas. Como resultado, diversas linhas ficaram sem acesso a esses espaços, ou muito distante deles.
“As concessionárias ficaram com as oficinas e há trechos descobertos, sem maquinário especializado para a manutenção das linhas. Isso encarece demais para a exploração de trechos curtos”, aponta Afonso.
Janela de oportunidade
O vencimento das concessões abre a oportunidade para corrigir enganos do passado e o Governo Federal vem conduzindo estudos neste sentido. Os corredores bioceânicos, linhas que cortam a América Latina, vêm tendo atenção especial, dado o seu potencial estratégico para o escoamento de produtos e insumos para exportação e para a integração sul-americana.
“O Brasil tem jeito. Temos é que melhorar nossos projetos. Os 30 bilhões em investimentos governamentais planejados não devem ir para as concessionárias. Elas podem andar com as próprias pernas. O foco em transporte de grãos e minérios precisa ser alterado. Eles representam apenas 10% do PIB. Enquanto isso, de 20 a 50 cidades no Brasil, que concentram mais de 50% do PIB, escoam suas produções pelas rodovias. Precisamos de ligações entre as capitais e as regiões metropolitanas. É lá que estão as indústrias. É preciso investir mais no transporte de passageiros entre as capitais, com maior velocidade e desempenho. Só assim teremos, no futuro, um país realmente integrado”, defende Carneiro.
Confira a entrevista na íntegra, na qual o especialista apresenta imagens que dão a dimensão dos desafios e oportunidades para o desenvolvimento nacional impulsionado pelo transporte sobre trilhos.
O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTube, todas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra.
O programa também pode ser assistido pela TVT, Canal do Conde, e é transmitido pelas rádios comunitárias da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias – Abraço Brasil.