O movimento contra a privatização da Eletrobras ingressa numa fase, que inclui, além da mobilização popular, a judicialização no maior número de tribunais e a denúncia do risco da operação, que poderá não ser reconhecida por um futuro governo progressista, afirmou Felipe de Araújo, diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ) e da Associação dos Funcionários de Furnas (Asef), durante entrevista ao programa Faixa Livre, na rádio Bandeirantes (clique aqui para ouvir). Segundo o dirigente, a aprovação, no último dia 18, do processo de venda da estatal pelo TCU, apesar do voto em contrário do ministro Vital do Rêgo, com vários questionamentos, abriu uma nova frente de batalha para a sociedade civil.
Assim que a pauta da audiência do TCU estiver disponível, os representantes dos movimentos vão pressionar o governo judicial e politicamente, no Brasil e no exterior, apontando os problemas intrínsecos da operação. “Já demos entrada na SEC [Comissão de Valores Mobiliários dos EUA] e temos outras ações em curso”, adiantou Felipe.
Além disso, ele observa que, se confirmadas as pesquisas e Lula for eleito, há grande chance de o novo governo desfazer o negócio. “Vamos ter um governo contrário à privatização e que prega a reestatização, caso o mercado venha a ter apetite para tamanho risco. E é esse ponto que vamos atacar agora, politicamente, para que a gente tenha uma vitória logo no primeiro turno, e coloque o maior risco possível nessa operação financeira, de modo que o mercado entenda que, se colocar dinheiro aí, vai perder.”
A transação desenhada pelo governo contém “irregularidades e ilegalidades”, muitas delas apontadas no voto “heróico” do ministro Vital do Rêgo, destaca Felipe. O dirigente sindical cita, por exemplo, a disparidade na avaliação de Itaipu Binacional feita pelas duas consultorias contratadas para precificar a usina. “Todas as empresas foram avaliadas de uma certa maneira, segundo seu fluxo de caixa etc. Itaipu foi a única que adotou uma forma diferente, e o resultado foi ficar extremamente sub-avaliada, orçada em pouco mais de R$ 1 bilhão.”
Ou seja, na comparação com o modelo adotado por Chesf, Furnas, outras empresas, haveria uma diferença estimada em dezenas de bilhões de reais, diz Felipe. “Estamos falando de 10, 20 vezes de sub-avaliação. É uma questão gravíssima. O TCU, se lavar as mãos, estará cometendo um crime de lesa-pátria sem precedentes. Contrataram duas empresas; cada uma usou um critério totalmente diferente da outra.”
Outro ponto grave é a perda inevitável, durante o processo de reestruturação, do controle estatal na Eletronuclear – uma medida inconstitucional. “O controle do Estado desse ativo é protegido pela Constituição, que não permite a transferência do seu capital nem da tecnologia nuclear para o setor privado, nem para estrangeiros. A Eletrobras, uma vez privatizada, será a controladora da NBPar, a empresa criada para incluir a Itaipu Binacional e a Eletronuclear – terão que fazer uma outra operação interna para que elas voltem a ser públicas. Isso é proibido pela Constituição. É uma ilegalidade.”
Também é irregular, diz ele, a “poison pill” (ou pílula de veneno), nome dado ao instrumento que onera de forma abusiva uma eventual recompra da Eletrobras pelo Estado. “Se precisar restabelecer o controle do Estado, [o governo] terá que recomprar tudo pelo preço majorado em 100% ou 200%. Ou seja, além dos acionistas comprarem a Eletrobras com valor subdimensionado, se quisermos comprar de volta, eles vão vender duas ou três vezes mais cara. O futuro governo tem que encarar isso como uma ilegalidade para retomar a empresa.”
Foto: Erika Laun/diretora da Asef — O diretor do Senge RJ, Felipe Araújo, em manifestação contra privatização da Eletrobras