A Federação Única dos Petroleiros (FUP) vai denunciar a Petrobras à Organização Internacional do Trabalho e à Justiça do Trabalho por perseguição à atividade sindical. A empresa aplicou suspensão de 29 dias ao coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar, em um expeciente administrativo que indica clara represália política às ações da entidade junto a órgãos de controle, denunciando a atual gestão.
Três principais iniciativas da FUP teriam motivado a retaliação: as ações que questionam a venda da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, a um fundo financeiro dos Emirados Árabes, a valores bem abaixo do mercado; a revelação da demissão sem justa causa, e com prêmio da ordem de R$ 1,3 milhão, de um gerente acusado de uso de informação privilegiada em benefício próprio; e as medidas contra o desmonte do plano de saúde em autogestão, em favor de seguradoras privadas.
Nesta segunda-feira (12), dois eventos serão relevantes para o desdobramento desse enfrentamento. Espera-se que o Tribunal de Contas da Unão (TCU) julgue as denúncias da FUP contra a gestão de Roberto Castello Branco na Petrobras, durante a venda da Rlam, que está suspensa provisoriamente por recomendação do órgão de controle. E também está marcada para essa data a Assembleia Geral de Acionistas que vai decidir sobre a mudança na Presidência e no Conselho de Administração da estatal.
Diversas entidades sindicais divulgaram notas de repúdio à medida disciplinar aplicada a Deyvid Bacelar, entre elas a Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), à qual se filia o Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ), a CUT, o Sindipetro Bahia, e a Federação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores do Petróleo e Afins do Chile (Fentrapech). A diretoria da Petrobras também foi denunciada por práticas antissindicais, pelo coordenador-geral da FUP, à IndustriAll Global, entidade fundada em Copenhague (Dinamarca), que representa trabalhadores de mais de 140 países, de diferentes setores industriais.
Além do seu peso simbólico, teme-se que a suspensão do dirigente seja um primeiro passo para tentar demiti-lo. No último dia 3, após um mês de paralisação, os petroleiros suspenderam a greve na Bahia e no Paraná mediante a reabertura de negociações pela empresa. “Acreditamos na boa-fé, mas fomos surpreendidos pela aplicação da medida disciplinar, que vai agora fazer parte da pauta”, adianta Deyvid (à esq.).
Entenda as denúncias da FUP
A Relam foi negociada com o fundo soberano (instrumento financeiro que usa parte das reservas internacionais do país) Mubadala por US$ 1,6 bilhão. O valor é menos da metade dos US$ 3 bilhões estimados pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis José Eduardo Dutra (Ineep), que reúne especialistas do setor das principais universidades do país. Analistas do banco BTG Pactual reconheceram que o total está 35% abaixo do limite inferior projetado para o negócio. E documentos da própria Petrobras indicaram que o cluster associado à Rlam estaria orçado em US$ 3,04 bilhões.
“A suspensão contra mim aconteceu porque identificamos inúmeras irregularidades dessa gestão atual, como a da proposta de venda da Relam. A operação incluiria o terminal marítimo Madre de Deus (Temadre), terminais terrestres em Candeias, Jequié, Itabuna, e quase 700 km de dutos, que interligam esse sistema todo à refinaria”, explica Deyvid. “Trata-se de vender o mercado consumidor baiano e nordestino.”
De acordo com o dirigente petroleiro, não há justificativa para ceder esse complexo a um preço bem inferior ao que ele vale, especialmente em um momento em que a pandemia de covid-19 fez com que os ativos de petróleo e gás fossem desvalorizados em todo o mundo. “Pegamos essas informações e denunciamos ao TCU, à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), à Controladoria-Geral da União (CGU), e ingressamos com ações judiciais contra a venda. Uma das ações, inclusive, é assinada também pelos senadores Jaques Wagner (PT/BA) e Otto Alencar (PSD/BA), pela FUP e pelo Sindipetro da Bahia. Outra petição de explicações da Petrobras, no processo, teve a participação dos partidos de oposição – PT, Psol, PCdoB, PDT, PSB, Rede.”
O prazo para que a empresa se manifestasse ao TCU terminou no dia 8. E aguarda-se agora o julgamento do órgão, provavelmente no próximo dia 12. “Nos questionamentos, também deixamos claro que era uma operação grande, feita por uma gestão que tinha prazo de validade, já que uma nova direção deve assumir no próprio dia 12. Soubemos que houve pressão para assinatura do contrato, sob o argumento de que era preciso vender logo, para evitar que a União tivesse controle sobre os preços de combustível e fosse mais fácil estabelecer a PPI, o alinhamento de preços ao mercado internacional, penalizando o consumidor na ponta.”
Insider trading
A outra denúncia feita pela FUP diz respeito ao recente insider trader divulgado pela mídia, ou uso de informação privilegiada. Um investidor lucrou cerca de R$ 18 milhões, ao comprar ações da Petrobras no dia 18 de fevereiro, após a reunião do presidente Jair Bolsonaro que resultou no anúncio do afastamento de Castello Branco. Ou seja, esse especulador adquiriu os papéis com preço de venda futura inferior ao corrente, porque tinha certeza de que as ações iam cair, antes mesmo da declaração pública do presidente.
A operação ainda está sendo investigada pela CVM, mas Deyvid observa que a estatal já demitiu o ex-diretor de Recursos Humanos, Cláudio Costa, acusando-o de ferir o código de ética sobre informações privilegiadas. “A demissão, no entanto, foi sem ‘justa causa’, provavelmente em um acordo, embora a acusação seja grave. Ele sai levando o PPP – Prêmio de Participação por Performance, de dez vezes o valor da remuneração mensal, que, numa conta rápida, deve somar um prêmio anual de R$ 1,3 milhão.”
Finalmente, a terceira frente de resistência da entidade são ações civis públicas em andamento, com áudios e outras provas documentais de que o mesmo Cláudio Costa teria tentado transferir, sem licitação, o plano de saúde por autogestão da empresa, um patrimônio anual de R$ 2,7 bilhões, para o setor privado, por meio da Associação Petrobras Saúde.
“Essas três denúncias, além da greve que paralisou a Relam, levaram a alta administração da empresa a se incomodar muito”, diz o dirigente sindical. “A punição aplicada contra mim quer atingir simbolicamente a FUP e intimidar o movimento sindical e a categoria dos petroleiros a nível nacional”, afirma Deyvid.
Ainda em 2016, no governo de Michel Temer, a entidade se opôs fortemente à implementação do Preço de Paridade de Importação (PPI), política que alinhou os preços do barril do petróleo, ao dólar e aos custos de importação, mesmo não sendo o Brasil um importador de derivados. Em 2018, a FUP participou da greve dos caminhoneiros contra o aumento do preço do diesel. E, com a posse de Bolsonaro, em 2019, começa a denunciar a gestão de Castello Branco no processo de desinvestimento e privatização de subsidiárias da estatal.