O racismo estrutural e as prioridades da engenharia

Para o presidente do Senge RJ, Olímpio Alves dos Santos, a carreira enfatiza a acumulação do capital e não a melhoria da vida das pessoas. E é inaceitável que a sociedade ainda assista a assassinatos como o cometido, ontem, no Carrefour.

“A tomada de consciência do aspecto estrutural do racismo, do fato de estar entranhado nas piadas, nos olhares desconfiados, é a grande novidade, o entendimento diferente do problema, importante para superá-lo”, afirma Olímpio Alves dos Santos, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ). Por outro lado, “os racistas não têm mais vergonha de serem racistas”, adverte o dirigente. “O racismo é elemento constitutivo da luta de classes, da exploração dos trabalhadores. Por isso, repetem-se crimes como o do assassinato de João Alberto Silveira Freitas, espancado até a morte por seguranças do Carrefour, na véspera do Dia da Consciência Negra. É urgente conseguir transformar de fato a sociedade brasileira em uma democracia para todos e  todas.”

Olímpio é engenheiro eletricista, com especialização em sistemas de potência, pela Universidade Federal Fluminense (UFF), e em Economia Energética, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Na minha turma, éramos apenas dois”, lembra. Um traço evidente do racismo na carreira, ocupada majoritariamente por homens brancos.

Um amigo, de outra turma, desistiu do curso, embora o irmão tenha conseguido concluir. Retrospectivamente, o dirigente imagina se o jovem não abandonou o curso por achar “que estava fora do lugar, e que a Engenharia não era para ele”. O próprio Olímpio acredita que não sentiu tanto a discriminação porque tinha maior capacidade de se impor e um enorme talento para a matemática, ajudando os colegas. “A autoestima não pode ser baixa, senão a pessoa se perde. O racismo estrutural pesa.”

Na opinião do presidente do Senge RJ, a engenharia, a medicina, as escolas militares, parecem espaços segregados, reservados para brancos. Durante a gestão do ex-presidente Lula, com ações afirmativas e novas universidades abertas no interior do país, ele avalia que isso pode ter melhorado. “Mas ainda a visão predominante, e que está se agravando, é a da República dos bacharéis”.

Como resultado, a atividade profissional continua  fortemente elitizada, em grande medida a serviço da acumulação do capital. “Não temos uma formação de Engenharia para resolver questões simples, da infraestrutura, que tornem melhor a vida das pessoas. Por exemplo, não se formam engenheiros para encontrar maneiras de fazer moradias mais baratas, para trabalhar com a prefeitura para cuidar da estrutura da cidade, para pensar soluções para problemas de mobilidade, coleta de esgoto. Isso conforma uma engenharia com um determinado objetivo. O que se espera dos engenheiros e engenheiras é que lutem todo o dia, todo o ano, contra o racismo, e por uma engenharia popular e democrática.”

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