Decreto presidencial excluiu os serviços de água e esgoto da lista de atividades consideradas essenciais, que não podem ser interrompidas durante o distanciamento social da crise de covid-19. A medida causou indignação entre especialistas, empresas e entidades da sociedade civil. “Se a água não é essencial, o que será?”, questiona Clovis Nascimento, presidente da Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), vice-presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ) e diretor do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas). “É um absurdo”, diz, lembrando que os serviços de água e saneamento básico são reconhecidos pela ONU como direitos humanos fundamentais.
A Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) também repudiou “veementemente” a decisão, avaliada pela entidade como “desumana” e “uma irresponsabilidade, em meio à pandemia do novo coronavírus”. Ao permitir a higienização, a água é o principal insumo de proteção contra a propagação da Covid-19, observa a FNU, e o acesso a ela deveria ser estimulado e não menosprezado. A essencialidade dos serviços, referendada pela ONU, garante tarifas básicas, controle público sobre as políticas de atendimento e investimento, fiscalização social.
A retirada da captação, do tratamento e da distribuição de água, bem como do esgotamento sanitário, da lista de atividades essenciais subestima seu impacto para a qualidade de vida da população e atende ao interesse econômico das empresas privadas prestadoras dos serviços, alerta Clovis. “Como o decreto de emergência sanitária para combate à pandemia proíbe a suspensão dos serviços essenciais, esta poderia ser uma forma de preservar o caixa das concessionárias, mesmo que às custas da saúde e da vida das pessoas.”
Na contramão do decreto presidencial, projeto de lei apresentado na Assembleia do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) visa garantir o acesso universal à água e saneamento, proibindo a privatização das empresas do setor. O Projeto de Lei nº 2445/2020, de autoria da deputada Renata Souza (Psol-RJ), pretende revogar o Programa Estadual de Desestatização (PED, criado pela Lei 2470/95): “Com a pandemia covid-19 diversos países vêm adotando uma maior intervenção do Estado na economia com injeção de recursos com o objetivo de preservar renda e emprego para minimizar os efeitos da crise”, diz o texto do PL. “Falar em privatização (ou plano de desestatização) no atual momento é descabido e agravará ainda mais a crise.”