Ato ‘Luto pelo Brasil’ (Rio, 3/9/2019) — Foto: Claudionor Santana
“O sentido da soberania é a vida do povo: o país não é soberano se uma parte substancial do povo estiver na miséria, se grande parte das pessoas não tem emprego, não tem renda, nem acesso a políticas públicas”, explicou a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-RJ), na chegada ao ato Luto pelo Brasil, que reuniu na quinta-feira (3) um total estimado de 20 mil pessoas no Centro do Rio de Janeiro em defesa da soberania nacional.
A manifestação marcou o aniversário de 66 anos da Petrobras e reuniu as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, o Comitê Nacional da Soberania Popular – ligado à Frente Parlamentar reinstalada recentemente, e mais de 70 entidades, entre movimentos sociais, partidos e sindicatos, além de estudantes e profissionais da Educação, que realizaram nos dias 2 e 3 paralisação e atos contra os cortes no setor.
Participaram da caminhada – da Candelária à sede da Petrobras – trabalhadores da maior parte das 17 estatais anunciadas para privatização pelo ministro Paulo Guedes, da Economia, lista que inclui Eletrobras, Casa da Moeda, Correios, Serpro, Dataprev, entre outras consideradas estratégicas para o país. “As empresas públicas nacionais são instrumentos para efetivar a soberania, por meio de investimentos, geração de emprego e renda; temos que mostrar a relação delas com a vida das pessoas”, ressaltou Gleisi.
Para o ex-deputado Lindbergh Farias, que integra o Comitê da Soberania Nacional, a campanha em defesa da Petrobras, das empresas públicas e da soberania “talvez seja o tema mais importante da vida nacional”, porque, diz ele, “o Brasil sem Petrobras, sem Eletrobras, não tem capacidade de construir um projeto de desenvolvimento”.
Presidente de honra da Frente Parlamentar em Defesa da Soberania Nacional, o ex-senador Roberto Requião alerta para o que chama de “entreguismo absoluto, visão quase religiosa, de fundamentalismo econômico” do projeto de Paulo Guedes.
“É o domínio do capital financeiro sobre o trabalho, uma luta antiga, bíblica, que está em Mateus 6, de 24 a 30: não se pode servir a dois senhores, a Deus e a Mamon – que, em hebraico, quer dizer dinheiro”, observa o ex-senador, também teólogo. “Com a queda do comunismo russo, o capital quer uma revanche. Querem tirar dos trabalhadores, das minorias étnicas, das mulheres, todas as vantagens que conseguiram quando o capital financeiro, a burguesia capitalista, tinha medo da Rússia.”
A proposta de desindustrialização maciça, desnacionalização do patrimônio público e precarização do trabalho, contudo, poderá tornar o país ainda mais vulnerável à crise internacional que muitos especialistas já prenunciam. “Já há uma queda de 15% na economia global e o Brasil deve tomar cuidado com sua reserva cambial”, advertiu Requião. “Seremos vítimas fáceis de uma crise internacional – estamos perdendo mercado interno e com a crise internacional, todo o comércio e produto industrial internacionais diminuem e também as nossas exportações. Colocar tudo em investimento estrangeiro, exportação, commodities… isso seguramente nos deixa em situação de extrema vulnerabilidade. É um erro brutal do Guedes.”
Requião comparou o cenário atual com o da década de 80, quando a indústria brasileira produzia mais do que os então chamados tigres asiáticos: Coreia do Sul, Tailândia, Malásia, China. “Hoje, não produzimos nem 10% do que eles produzem”, afirmou. “O presidente da Petrobras [Roberto Castello Branco] disse outro dia que precisamos acabar com o tabu da industrialização, que está atrapalhando as exportações. É uma heresia total. Submissão a interesses geopolíticos e financeiros dos EUA e do capital internacional.”
CPI da Lava Jato
Parte desse processo de sujeição da soberania brasileira aos interesses financeiros internacionais, a Operação Lava Jato teve um papel chave na desestruturação das maiores empresas nacionais – públicas e privadas –, por meio da sua criminalização institucional. Por isso, a deputada Gleisi Hoffmann acredita que a CPI que vai analisar a operação, especialmente as denúncias feitas pelo site The Intercept, de conluio entre procuradores e o ex-juiz e atual ministro Sergio Moro, poderá ajudar na defesa do patrimônio nacional, especialmente a Petrobras.
“Ao ser contestada a narrativa de que a Petrobras foi um antro de corrupção, mostrando os fatos que foram construídos para criminalizar a empresa, a forma como a Lava Jato desmontou toda uma cadeia empresarial da área de infraestrutura, da construção pesada — com consequências bem sérias para o país e para o povo brasileiro, que incluem desemprego, falta de investimento, etc –“, explica Gleisi, “a CPI será um espaço importante p ara discutir inclusive a desconstrução da economia brasileira.”
A CPI da Lava Jato já conseguiu as assinaturas para funcionar e foi protocolada; depende agora de um acordo entre os partidos para a sua instalação e indicação dos seus membros. “Isso passa por uma negociação no Congresso Nacional, com todas as forças políticas que apoiaram e assinaram a CPI”, diz a deputada. “Mas um fator importante é que já está protocolada; ou seja, não se pode mais retirar as assinaturas do requerimento, nem esvaziá-la. Já é um fato. Precisa se tornar efetiva.”
Caminhando a pé pela avenida Rio Branco, durante o ato desta quinta, o geólogo Guilherme Estrella (à esq.), líder da equipe que descobriu a reserva de petróleo na camada do pré-sal, afirma que a intenção do ministro Paulo Guedes em relação à Petrobras é privatizá-la, embora a estatal não tenha sido incluída na lista oficial.
“Estamos aqui em uma grande comemoração de mais um aniversário da Petrobras, em que a gente reforça nosso compromisso de apoio à empresa, para que que continue sendo do Estado brasileiro, e que não se realize a sua retalhação, como já está fazendo o Paulo Guedes, nem a sua eventual privatização”. Dá para virar o jogo? Estrella garante que sim: “Precisamos estar na rua para pressionar o governo e pressionar o Congresso Nacional, para que a Petrobras retorne ao seu compromisso com o Brasil”.
Durante o ato, o cineasta Silvio Tendler (à dir.) com outros representantes da classe artística uniram-se aos engenheiros contra a censura e os cortes orçamentários no setor e pelos direitos constitucionais assegurados aos brasileiros.