Ubiratan Félix*
O debate público entre o Governo do Estado e a Prefeitura Municipal do Salvador sobre a licitação do sistema de ônibus e em relação ao papel da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A (Embasa) enquanto empresa operadora do sistema de Saneamento em Salvador é sinal de que a convivência da competência estadual com autonomia municipal não tem sido pacífica. Sem legitimidade e recursos orçamentários, caberia ao estado coordenar as ações em comum acordo com municípios metropolitanos.
Este papel é dificultado por inferências partidárias e pela visão competitiva entre os entes federados. A dificuldade da gestão metropolitana no Brasil tem origem, em grande medida, pelo modelo federativo adotado pela constituição de 1988 que reconheceu o município como ente federativo com competências próprias e exclusivas nas políticas públicas urbanas sem prever mecanismos de cooperação com municípios circunvizinhos e, em alguns casos, entre os municípios e o estado.
Com o aumento da população urbana e a formação de megalópoles, os problemas relacionados à gestão do solo urbano, esgotamento sanitário, abastecimento de água, preservação da ambiental, em diversos momentos, desconhece os limites territoriais. A gestão destes e outros problemas exige uma solução compartilhada pelos diversos municípios e o estado. No entanto, vale ressaltar que essa não é uma preocupação recente. O debate teve início nas décadas de 1960 e 1970, reunindo a academia, órgãos de pesquisa e de governo em torno de problemas ligados ao processo de urbanização.
Após a instalação do regime militar, a coordenação das políticas urbanas e industriais nos territórios metropolitanos foi assumida pelo Governo Federal através do Escritório de pesquisa Econômica (Epea) – atual Ipea –, sendo que as políticas setoriais eram operadas por empresas públicas, subordinadas a diversos ministérios, com garantia de recursos e agilidade na sua alocação, como o Banco Nacional de Habitação (BNH). Com advento do regime democrático em 1985, houve uma identificação da política metropolitana com o regime autoritário. Os constituintes optaram por atribuir aos estados federados a competência para a criação da região metropolitana.
Na Bahia, a Constituição Estadual de 1967 previa a possibilidade de declarar áreas de interesse para a “execução do plano de desenvolvimento econômico e social”, com a possibilidade de se constituir entidades específicas para administração do plano. Tal possibilidade foi ratificada pela Constituição Estadual de 1989, cujo texto diz que o Estado divide-se em regiões metropolitanas para fins administrativos, constituídas de agrupamentos de municípios limítrofes, com o objetivo de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.
Ainda em 1967 foi criada a Companhia de Desenvolvimento do Recôncavo (Conder), com a missão de formular estratégia para o desenvolvimento dos municípios do Recôncavo Baiano. Em 1986, com eleição de Waldir Pires para o governo da Bahia, a Companhia passou por um período de busca de identidade, visto que muitas das suas ações interferiam nas gestões dos municípios que estavam readquirindo autonomia municipal após 20 anos sob a tutela de prefeitos nomeados pelo regime militar. Em 1990, com o retorno do grupo político liderado pelo governador Antônio Carlos Magalhães, a Conder retomou a sua ação nos municípios da Região Metropolitana de Salvador através da elaboração e Implantação dos Planos Diretores de Limpeza Urbana e construção de aterros compartilhados, além de outras ações. Em 1998, houve a fusão da Conder com a Habitação e Urbanização do Estado da Bahia S/A (Urbis). A nova Conder tornou-se responsável pela execução e coordenação de toda política de desenvolvimento urbano, metropolitano e habitacional do estado da Bahia e, apesar de ter suas atribuições ampliadas, a entidade perdeu seu foco no planejamento metropolitano, tornando-se uma empresa de execução de obras de urbanização: praças públicas, estádios de futebol, construção de arruamentos e avenidas e etc.
Com a implantação do sistema metroviário e o processo de conurbação dos municípios de Salvador, Lauro de Freitas e Simões Filho, ficou evidente a necessidade de pactuar mecanismos de governança federativa que defina políticas comuns no setor de transporte, habitação, abastecimento de água, esgotamento sanitário, educação e saúde.
É importante ressaltar que a governança metropolitana não se resume ao somatório de execuções conjuntas de políticas setoriais, mas na gestão cooperativa dos municípios do território metropolitano – muitas vezes é dificultada pela guerra fiscal entre os municípios – para atração de investimentos privados através de isenção ou redução drástica das alíquotas dos Impostos de serviços (ISSQN), IPTU e taxas de localização com objetivo de “retirar as sedes das empresas dos municípios mais desenvolvidos da região metropolitana”, apesar de muitas destas empresas prestarem a maior parte dos seus serviços nos municípios de maior desenvolvimento da região metropolitana.
O fato de ser o município o ente federativo com competências próprias e exclusivas nas políticas de gestão urbana traz muitas dificuldades diante dos desafios atuais que muitas vezes ultrapassam os limites territoriais dos municípios – como o esgotamento sanitário, abastecimento de água, preservação ambiental.
A solução destes e outros problemas exige estratégias compartilhadas pelos diversos entes federativos. Ações isoladas como as que vemos implementadas pelas administrações públicas nas cidades brasileiras têm se demonstrado apenas um mero paliativo diante das complexidades metropolitanas.
*Ubiratan Félix é engenheiro civil, presidente do Senge-BA, professor do IFBA e parceiro do BRCidades
Fonte: Carta Capital