UFRJ lança campanha pelo aumento de mulheres na engenharia

A Poli-UFRJ lançou no dia 30 de maio a campanha EsseLugarTambémÉMeu, para incentivar a participação feminina nas carreiras ligadas à engenharia
Foto: Jorge Rodrigues Jorge/divulgação da Poli-UFRJ

A Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Poli-UFRJ) lançou no dia 30 de maio a campanha #EsseLugarTambémÉMeu, para incentivar a participação feminina nas carreiras ligadas à engenharia. A iniciativa foi divulgada durante a mesa-redonda Mulheres na Engenharia e seu lugar no desenvolvimento do país, que debateu a reduzida presença das mulheres nas chamadas ciências exatas, que envolvem ramos da matemática e da física.

O ramo da engenharia civil tradicional e antiga é o que tem mais alunas matriculadas. Nas engenharias novas, como eletrônica, computação, automação e controle; e nas específicas, como mecânica, naval e metalurgia, o número de engenheiras ainda é muito pequeno ou quase nulo. “O ingresso nessas áreas e a formatura, às vezes, é ínfimo”, disse a diretora da Poli-UFRJ, Cláudia Morgado. Para ela, quanto maior a inserção da mulher nos ambientes de tomada de decisão econômica, maior é o reflexo na economia do país.
Estudo da Cátedra Unesco Mulher, Ciência e Tecnologia na América Latina (Flacso-Argentina), de 2018, revela que nove em cada dez meninas de 6 a 8 anos de idade acreditam que engenharia “é coisa de menino”.
Construção social
Para Cláudia Morgado, essa construção social precisa ser revista. Ela é a primeira mulher diretora da Escola Politécnica da UFRJ, em 226 anos de existência da unidade, e acredita que o preconceito contra o exercício de mulheres nas engenharias e ciências exatas, como matemática e física, está no mundo mental das pessoas, porque os meninos também são educados para pensar dessa forma. “Eles não nascem com preconceito. A cultura define esses pensamentos e eles são absorvidos por todos.”
Há relatos de que alunas sofreram assédio moral e até sexual dentro da universidade, em ambientes onde o número de alunas e professoras é reduzido. Quando há muitas mulheres, isso não ocorre, devido à existência de uma “rede de proteção”.
A Poli tem 13 cursos de habilitação em engenharias. Alguns são mais atrativos, outros não, porque o ambiente é quase majoritariamente masculino. Na formatura geral, a taxa de mulheres tem se mantido ao longo dos anos em torno de 22%.   “Quem chega à universidade é um herói e a gente não pode deixar essas pérolas se perderem por conta de habilidades e costumes”, disse Claudia.
Polêmica
A vice-reitora da universidade, Denise Nascimento, ressaltou que em 30 anos de academia, percebeu que as mulheres ocupam poucos espaços e que o trabalho feminino é questionado em função da licença maternidade. “É uma polêmica que afeta muito o ingresso de mulheres nas áreas acadêmicas. Segundo Denise, na universidade não há salários diferentes dos homens, mas nas empresas privadas de engenharia, por exemplo, mulheres costumam ganhar menos “e dificilmente chegam a cargos de direção”. Ela acredita que cabe a elas estabelecer conquistas nesses espaços “pela nossa excelência do conhecimento e pela capacidade de trabalho”.
Poli-USP
A diretora da Poli-USP, Liedi Bernucci, afirmou que histórias de assédio “não podem ficar no corredor”, mas têm que ser debatidas e combatidas. Quando entrou na Escola politécnica da USP, em 1977, as estudantes dos vários ramos da engenharia eram 4% do total.
Em 2018, a taxa evoluiu para 19,3%, mas a partir daí, parece ter estabilizado. Liedi recomendou que é preciso incentivar as meninas do ensino médio a verem a engenharia como uma carreira. “Não existe nenhuma engenharia que as mulheres não possam cursar.”
Quando assumiu a diretoria da unidade, em 1977, Liedi pensou que, com mulheres em algumas posições, haveria um incentivo pelo exemplo. Isso é verdade, mas ela acabou vendo que não é suficiente. “Você precisa fazer um movimento planejado para convidar as jovens para se interessarem pelas ciências exatas e, no nosso caso, pelas engenharias. Precisa fazer movimentos organizados para isso, porque ainda há aquele estigma que é uma área masculina.”
Conexões
A reitora eleita da UFRJ, Denise Pires, disse que há um “fluido” que precisa ser derrubado quanto à presença das mulheres nas ciências exatas. Enquanto elas são maioria entre os pesquisadores bolsistas para iniciação científica no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com 59% em 2018 e 56% em 2014, entre os pesquisadores bolsistas de produtividade, as mulheres são somente 24,6%. “Está claro que não há igualdade de gênero e a gente tem uma luta para que ela exista, porque há qualificação”, assegurou. Denise Pires informou que isso ocorre não só na área de engenharia.
A reitora defendeu a escolha para cargos de direção baseada na qualificação do profissional e não por ser do gênero masculino. “Há um efeito tesoura que deve ser eliminado”. A ideia de Denise é desenvolver projetos voltados para meninas do ensino fundamental e médio.
Aluna
A estudante de engenharia naval da Poli-UFRJ, Thaís Pessoa, presidente do Centro Acadêmico e fundadora do coletivo Consciência Feminina, disse que “conta nos dedos” o número de professoras que vê em cursos de engenharia. Quando entrou na Poli, de 35 estudantes que ingressavam por semestre na engenharia naval, apenas seis eram meninas. “Vivemos em um sistema patriarcal que incentiva os homens na liderança. Nosso papel é incentivar que as meninas façam o mesmo”. Segundo a aluna, os homens devem ser incluídos no debate sobre a maior participação das mulheres nas ciências exatas.
Fórum
A diretora da Poli-UFRJ, Cláudia Morgado, informou que foi criado um fórum de dirigentes de escolas de engenharia do Brasil, cujo foco será o aumento das mulheres nessas áreas. Já está agendada reunião do fórum para dentro de 15 dias, no Rio de Janeiro, quando será discutida a criação de políticas públicas que estimulem a presença feminina nas engenharias.
De acordo com dados do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), existem hoje no país 1.150.637 profissionais ativos das áreas de engenharia, agronomia e geociências, englobando graduação e tecnólogo, dos quais 961.809 são homens e 188.828, mulheres.
Na engenharia civil, por exemplo, 307.635 profissionais ativos são do sexo masculino, contra 94.682 do sexo feminino. Na engenharia agrônoma, os homens são também maioria, com 173.907 registros, enquanto as mulheres somam 34.774. Nos ramos de mecânica e metalúrgica, a diferença é ainda maior: 180.612 profissionais registrados no Confea são homens, contra 15.935 mulheres.
Apesar dos números ainda modestos, o conselheiro do Confea, Luiz Antonio Corrêa Lucchesi, garantiu à Agência Brasil que a participação feminina vem crescendo ano a ano. “Não apenas pelo interesse demonstrado já na tenra idade pelas meninas para profissões que, outrora, talvez fossem consideradas mais adequadas ao homem, e depois na escola, na faculdade, a gente tem notado crescente participação da mulher como acadêmica.”
Lucchesi vislumbra que, no futuro, haverá mais equilíbrio entre profissionais dos dois sexos nos dados do Confea, que abriga os egressos da universidade. Com o ingresso dos jovens no mercado de trabalho, disse que a tendência é equilibrar ambos os sexos nas profissões de engenharia, agronomia e geociências. Entre 2016 e 2018, o número de engenheiras registradas no sistema Confea/Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) subiu 42% por ano.
Censo
O Censo do Ensino Superior, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em setembro do ano passado, mostrou que em 2017 as mulheres responderam por 105.651 matrículas em engenharia civil e 56.932 matrículas em engenharia de produção, no país, contra 241.176 e 105.495 matrículas nas mesmas áreas, respectivamente, por representantes do sexo masculino. O Censo do Ensino Superior de 2015 registra que mulheres eram 30,1% dos concluintes do curso de engenharia civil e 32,6% do curso de engenharia da produção, contra 69,9% e 67,4% de homens.
A presidente da Associação Brasileira de Engenheiras e Arquitetas (ABEA), Iara Nagle, confirmou que tem crescido a presença feminina principalmente na área de engenharia da produção. Iara lamentou, porém, que com 82 anos de existência, a entidade, fundada pelas primeiras engenheiras do país, com o objetivo de ampliar a participação das mulheres nesse mercado, tenha apenas 340 profissionais associadas.
Fonte: Agência Brasil / Edição: Maria Claudia
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