Foto: divulgação
Camila Marins/Fisenge*
“Quem sabe o que faz um(a) engenheiro(a)?”. Esta pergunta iniciou a sessão de leitura com crianças do “Viaduto Literário”, que aconteceu num sábado, dia 16 de fevereiro, no Rio de Janeiro. O projeto promove oficinas de colagem, pintura, audiovisual, percussão, desenho e literatura para crianças dos Morros da Providência e do Pinto. Com a publicação “Histórias da Engenheira Eugênia” em mãos, a maioria das crianças respondeu que não sabia as funções de um engenheiro. Já uma das crianças afirmou: “é de gente rica”. “Ficamos por alguns segundos paradas pensando na resposta, que carrega em si uma enorme carga de desigualdade e indiferença social. Sem se darem conta, elas já sabem “qual é o espaço delas”. Desconstruir esse pensamento e apresentar um mundo possível é o desafio de cada atividade”, contou uma das voluntárias, a designer e ilustradora, Tati Rivoire.
De acordo com a idealizadora e coordenadora do Viaduto Literário, Márcia Raquel – que também é moradora da Providência – elas começaram a explicar a importância da engenharia, afirmando que este profissional articula políticas públicas, desenvolvimento social e construção de uma sociedade justa e igualitária. “Algumas crianças gostam muito de matemática e dissemos que engenheiros usam muito os números. Eu também estou entendendo um pouco mais sobre a engenharia com a leitura do livro”, disse.
Semanalmente, aos sábados, das 10h às 13h, o projeto reúne cerca de 20 crianças, de 2 a 12 anos, embaixo do viaduto São Pedro/São Paulo. Ela conta com apoio e doações de pessoas voluntárias e não têm qualquer tipo de financiamento. Além das oficinas, das leituras e dos vídeos, há também a hora do lanche, que deixa as crianças ansiosas por um bolo de chocolate ou cachorro quente.
O projeto atende a uma maioria de crianças negras, com acesso limitado à arte, à cultura, à rede de esgoto, transporte público de qualidade e sem direito à cidade num contexto mais geral. Direitos estes que têm relação direta com a engenharia, como o acesso ao saneamento básico, mobilidade urbana, alimentos seguros, acesso à internet e universalização da banda larga. Todos os dias, aquelas crianças sonham com o pleno direito à cidade e o bem-viver.
De acordo com Marcia, que é mais conhecida como “Tia Marcinha”, no mês de março, pelo dia internacional da mulher, as crianças vão fazer a leitura e a interpretação das histórias da Engenheira Eugênia. “É uma publicação que vamos trabalhar por um tempo, porque ela abrange vários assuntos relacionados a gênero, empoderamento feminino, a defesa dos direitos das mulheres e combate ao machismo, que são assuntos que a gente discute com as crianças, por percebermos a necessidade dessa consciência desde pequenos. A Engenheira Eugênia elucida várias dúvidas que, talvez, as mães dessas crianças também tenham. Nossa proposta é apresentar a Engenheira Eugênia para as crianças e para que elas apresentem para suas famílias e outras pessoas”, disse.
Nesse sentido, Tati Rivoire acredita que a publicação da Engenheira Eugênia aborda temas sobre direitos humanos de uma maneira didática e simples. “Cada criança ali passa ou conhece alguém que sofre ou já sofreu algum tipo de agressão, seja física ou moral e, com o suporte do livro, podemos conversar sobre o assunto e tentar esclarecer alguns pontos em que elas se identificam. São questões delicadas”, pontuou.
Sobre o Viaduto
Fundado em abril de 2018 por Marcia, o Viaduto Literário surgiu a partir de seu contato com as crianças no Favela Cineclube, projeto que promove exibição de filmes e debates, mensalmente, na Providência. “Acredito no acesso pelo compartilhamento de conhecimento, informação e, principalmente, de afeto, criando laços, conscientizando e também divertindo com arte e cultura”, explicou Marcia, que acrescenta: “As crianças aqui da favela são muito curiosas e interessadas. Como eu estava desempregada, eu pensei em encontrar com eles semanalmente para compartilhar conhecimento, mas não têm acesso por conta do descaso do Estado”.
Sobre as “Histórias da Engenheira Eugênia”
Publicadas desde 2013 no formato de tirinhas em quadrinhos, as histórias da Engenheira Eugênia foram organizadas em um compêndio lançado, em 2017. Idealizado pelo Coletivo de Mulheres da Fisenge (Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros), o projeto já ganhou o 1º lugar, na categoria cidadã em comunicação sindical, do Prêmio de Direitos Humanos da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra). A publicação reúne a trajetória da personagem protagonista, Engenheira Eugênia, uma mulher de 40 anos com 15 de trabalho, recém-divorciada, dois filhos, uma adolescente de 15 anos e um menino de 9 anos. De acordo com a engenheira química e diretora da mulher, Simone Baía, são estas redes que dão sentido ao trabalho desenvolvido. “A leitura da Engenheira Eugênia nas favelas e periferias demonstra a importância do diálogo do movimento sindical com toda a sociedade. Queremos meninos e meninas sonhando em ser engenheiros e engenheiras. Que estes sonhos possam construir um mundo melhor, justo, solidário e igualitário”, anunciou Simone.
A publicação é distribuída gratuitamente e o download AQUI
* Camila Marins é jornalista da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge)