(Foto: Agência Brasil)
Fonte: Brasil de Fato
O Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pela falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog, ocorrido em 1975, durante a ditadura civil-militar.
A decisão é de março deste ano, mas foi divulgada nessa quarta-feira (4), em San José, na Costa Rica, onde fica a sede do Tribunal.
No processo, a Corte destaca que Herzog sofreu privação de liberdade, interrogatório, tortura e assassinato porque se opunha ao regime ditatorial. O órgão determinou que o caso deve ser considerado crime contra a humanidade, segundo a definição dada pelo Direito Internacional.
Além disso, o Tribunal considerou o Estado como responsável pela violação dos direitos de conhecimento da verdade e da integridade pessoal dos familiares do jornalista.
Pela decisão, o Brasil deverá cumprir medidas de reparação que incluem o retorno das investigações e do processo penal do caso, com o objetivo de identificar, processar e punir os responsáveis pelo crime.
César Cordaro, do Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça, destaca que a decisão tem caráter emblemático por conta da importância do caso de Herzog e também da preservação da memória histórica do período.
“[Ela] vem reconhecer a prática de tortura e de graves violações de direitos humanos por parte dos Estado brasileiro e a existência de um verdadeiro Estado de Terror que vigorou durante todo o período da ditadura”, reforça.
Lei de Anistia
Outro ponto importante da decisão diz respeito à Lei de Anistia (Lei nº 6.683/79). A legislação, fruto do processo de abertura “lenta, gradual e segura” que levou a ditadura a um desfecho acordado com setores da oposição, permitiu a prescrição de crimes de violação de direitos humanos e de lesa-humanidade. O dispositivo foi aplicado pelo Estado brasileiro ao processo de Herzog.
A Corte, porém, considerou que a aplicação da Lei de Anistia a esse tipo de caso viola a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário. A decisão destaca que, pelo Direito Internacional, tais crimes sempre são considerados imprescritíveis –ou seja, não existe prazo máximo para a punição dos responsáveis.
Em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ingressou com uma ação junto ao Supremo questionando a constitucionalidade da Lei de Anistia, mas, no entendimento dos ministros, ela é compatível com a Constituição Federal.
Revisão
O debate, no entanto, seguiu adiante. Em 2011, a deputada Luiza Erundina (Psol-SP) apresentou, na Câmara, o Projeto de Lei (PL) 573/11, que exclui do rol de crimes anistiados após a ditadura aqueles que tenham sido cometidos por agentes públicos, militares ou civis contra pessoas que praticaram “crimes políticos”.
“Se o Congresso foi quem votou e aprovou a Lei de Anistia, em 1979, cabe a ele a prerrogativa de revogá-la ou pelo menos fazer uma nova versão, uma nova interpretação dessa lei”, defende a deputada.
Atualmente, o PL está parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Erundina, que preside a Subcomissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça da Casa, defende a necessidade de uma mobilização social em torno da decisão da Corte.
“A sociedade civil brasileira terá que obrigar, exigir, pressionar e cobrar do Estado brasileiro, através do seu governo, o encaminhamento dessas providências [determinadas pela CIDH]”, reforçou.
A CIDH é um órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA) e suas decisões têm caráter de cumprimento obrigatório. Em nota, a Corte informou que irá acompanhar o acatamento da decisão por parte do Brasil e exigir a apresentação de um relatório no período de um ano.
Governo
Em nota pública divulgada na noite de quarta (4), o Ministério dos Direitos Humanos afirmou que reconhece oficialmente a decisão da CIDH e que “dará cumprimento integral à sentença, bem como articulará com outros órgãos e entidades públicas o seu cumprimento”.