Há duas décadas a gestão da internet no Brasil é referência em todo o mundo graças à representatividade garantida pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Formado por 22 membros, ele agrega nove representantes do governo, quatro do setor empresarial, quatro representantes da sociedade civil organizada, três da comunidade científica e tecnológica. Um notório saber em assunto de internet completa o comitê. Isso pode mudar em breve de forma pouco democrática, a toque de caixa, para atender a demandas que há muito buscam mudar as forças de poder dentro do CGI.br.
O tema não foi debatido internamente. Embora o empresariado já tivesse apresentado reclamações por costumar ser vencido nos debates, a alteração do número de representantes no comitê não foi pauta de reunião. Ainda assim, no domingo, 6 de agosto, os membros do comitê receberam e-mail de Maximiliano Martinhão, secretário de Informática do Ministério da Ciência, tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) e coordenador do CGI.br, falando da necessidade de se avaliar mudanças nesse sentido. Já na segunda-feira, sem deliberação dos membros sobre o assunto, uma consulta pública sobre o tema foi divulgada no Diário Oficial.
Interesses contemplados
Segundo a jornalista Marina Pita, membro da coordenação executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, em artigo na Carta Capital, há indicações de que a consulta pública seja tratada como formalidade para colocar em prática demanda antiga das empresas de telecomunicações, que desejam mais espaço no comitê para, assim, aumentarem sua influência nas decisões do grupo. A manobra deverá, ainda, aumentar a participação governamental, após a derrota da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) na disputa sobre a neutralidade de rede no desenvolvimento do Marco Civil da Internet.
Segundo o diretor de Atividades Técnicas do Clube de Engenharia, e membro de uma das câmaras setoriais do CGI.br, Marcio Patusco, existe uma insatisfação do empresariado por não terem predominância nas deliberações do CGI.br. “Entendemos que de fato é a área de representatividade da sociedade como um todo que deve colocar seus anseios para que as implementações atendam as necessidades dos cidadãos, afinal de contas, estamos falando de internet, um serviço essencial ao exercício da cidadania, como está colocado na lei do Marco Civil da Internet. É daí, inclusive, que vem a pluralidade de decisão no colegiado, elogiada em todo o mundo. Como a movimentação do governo vem sendo totalmente pró-empresariado, é possível que essa manobra caminhe no sentido de atender àquele setor”, destaca.
A reação da sociedade civil, segundo Patusco, é fundamental para tentar estabelecer um posicionamento que evite retrocessos que possam nascer da consulta pública, que vai até o início de setembro. A Coalizão Direitos na Rede já emitiu parecer criticando a mudança e a posição pouco democrática assumida pelo governo, que pode ser vista aqui. “Tudo vai depender do capital político do governo para implementar mudanças. Por isso é tão importante a nossa reação, que o assunto seja levado à sociedade para impedir que isso aconteça sem uma discussão ampla . A forma com que a internet no Brasil é gerida foi elogiada no mundo inteiro como padrão internacional de gestão de internet. É isso que estamos colocando em risco por aqueles que querem que as empresas deem as cartas no setor”, explicou Patusco.
Nova ofensiva
Não é a primeira vez que o Comitê Gestor da Internet no Brasil é colocado em risco pelo atual governo. Fortalecido após a promulgação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) e sua regulamentação, que instituiu ao órgão a responsabilidade por definir diretrizes para todos os temas relacionados ao setor, o CGI.br teve seu funcionamento paralisado no primeiro semestre de 2017, alegando a necessidade de economia de recursos.
A denúncia levada ao Fórum de Governança da Internet (IGF) no México, organizado pelas Nações Unidas, por um conjunto de entidades da sociedade civil de mais de 20 países resultou na volta do funcionamento do comitê. Embora a próxima reunião esteja marcada para o dia 18 de agosto, a consulta pública saiu mais cedo, sem que o próprio comitê pudesse discutir o assunto.