O sindicalismo volta à pauta dos debates públicos a partir das questões que tratam da negociação coletiva, do custeio e das suas iniciativas e lutas. Também volta a ter destaque porque governos reconhecem o papel dos sindicatos na organização das sociedades, em especial, na repartição do produto econômico do trabalho de todos entre lucros e salários e na defesa e sustentação das democracias.
Os ataques à ação sindical dos trabalhadores são persistentes, intensos e as práticas antissindicais são contínuas. Nenhuma novidade em relação aos dois últimos séculos de enfrentamentos. Nesse ambiente repleto de adversidades, os sindicatos brasileiros não deixaram a peteca cair.
Nos últimos anos enfrentaram as agruras que agora procuram superar. Por exemplo, os sindicatos continuam celebrando anualmente mais de 40 mil acordos e convenções coletivas de trabalho, protegendo milhões de trabalhadores, sindicalizados e não sindicalizados, conquistando aumento de salário e melhoria nos benefícios (saúde, alimentação, transporte, formação profissional), ampliando direitos e proteções à saúde e segurança, entre outros temas. As Centrais Sindicais atuam na agenda macro, como na construção da política de valorização do salário mínimo, na regulação do trabalho mediado por plataformas e aplicativos, no projeto de valorização da negociação coletiva.
A complexidade desse quadro é analisada no balanço da trajetória recente do sindicalismo brasileiro e, especialmente, nos apontamentos de iniciativas que buscam enfrentar e superar os desafios decorrentes das mudanças no mundo do trabalho, reunido na publicação da FES Brasil – Friedrich Ebert Stiftung – “Panorama do sindicalismo no Brasil 2015-2021”[1]. A pesquisa selecionou 27 experiências, uma por estado e no Distrito Federal, de diferentes categorias e foi conduzida por um timaço de pesquisadores do mundo do trabalho[2].
O trabalho identifica o problema da fragmentação da organização de representação e apresenta a evolução da sindicalização entre os assalariados formais no período de 2001 a 2019, com inúmeros recortes como: sexo, região, setor, grupos educacionais, faixa etária, raça/cor, tamanho do estabelecimento, entre outros aspectos. Esses dados são muito interessantes para contextualizar a interpretação da pesquisa recém-divulgada pelo IBGE[3] que indicou queda na taxa de sindicalização no Brasil, o que será objeto de outro artigo.
O trabalho estrutura a análise das experiências sindicais destacadas a partir de quatro dimensões constitutivas das atribuições historicamente desenvolvidas nas lutas dos trabalhadores e aquelas decorrente dos processos de institucionalização dos sindicatos: a) considerando a capacidade desse sujeito coletivo de expressar seu poder estrutural de organizar, mobilizar, elaborar pautas e conduzir lutas; b) o poder associativo de filiação; c) o poder institucional através das negociações coletivas, representação e participação; d) o pode social, ou seja, como vocaliza a questão do trabalho junto à sociedade.
O balanço final indica o enfraquecimento do poder estrutural em decorrência das profundas mudanças no mundo do trabalho e na organização do sistema produtivo, da flexibilização das formas de contratação e os persistentes ataques às organizações sindicais para desqualificá-lo.
Cabe ressaltar os esforços e as iniciativas, diante de toda a adversidade enfrentada, para responder aos desafios e a busca por caminhos de superação. As experiências destacadas no estudo procuram superar as adversidades, nos mais variados contextos setoriais, de categorias e políticas sindicais.
Segundo os autores, “para compensar as fragilidades identificadas em seu poder estrutural, os esforços das organizações pesquisadas se voltam para investidas nos poderes associativos, social e institucional, mobilizando capacidades de intermediação, de relacionamento, de articulação e de aprendizagem”.
Outras três estratégias são frequentes: novas formas de comunicação e de trabalho com a base, o oferecimento de serviços como jurídico, saúde, convênios, lazer e o apoio junto às instituições públicas.
O estudo evidencia a necessidade de um investimento coletivo e articulado das organizações sindicais, para compreender o contexto e a perspectivas das mudanças no mundo do trabalho visando à conceber e criar formas de organização e de luta, atuar de maneira articulada e cooperada, para fortalecer seu poder estrutural de mobilizar e representar os interesses das trabalhadoras e dos trabalhadores.
Notas
[1] Publicação disponível em https://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/19776-20221202.pdf.
[2] Ana Paula Fregnani Colombi, Anderson Campos, Andrea Galvão, Elaine Regina Aguiar Amorim, Flávia Ferreira Ribeiro, Hugo Miguel Oliveira Rodrigues Dias, José Dari Krein e Patrícia Vieira Trópia.
[3] IBGE, in https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37913-taxa-de-sindicalizacao-cai-a-9-2-em-2022-menor-nivel-da-serie
Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020)
Fonte: Democracia e Mundo do Trabalho
Imagem: Roberto Parizotti / Reprodução