Fonte: Brasil de Fato
As instituições financeiras públicas estão sob ataque. Esta é a avaliação de entidades que representam os trabalhadores do ramo. Mudanças estruturais estão atingindo a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Banco do Brasil (BB) e os funcionários do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) temem sua privatização.
Para João Sicsú, economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), há no Brasil uma tentativa de desmonte de “todas estatais”.
“Essa ofensiva é parte de um projeto que está sendo aplicado no Brasil. É o projeto de austeridade aplicado na Europa cinco anos atrás. Aqui, está sendo acelerado e turbinado. Além de ‘recompor o orçamento público’, no sentido de retirar direitos sociais – acesso à saúde e educação -, ele está acelerando outro vetor: as privatizações”, diz. “Parte das estatais mais importantes que nós temos são os bancos públicos. essa é uma ideia antiga, desde a primeira onda neoliberal nos anos 90. Na época, o que se conseguiu fazer, o que já é muito, foi privatizar bancos estaduais, e não todos”.
“Nessa segunda onda neoliberal na América Latina, especialmente do Sul, os bancos também são a bola da vez”, contextualiza Sicsú.
Privatização
Talvez o maior exemplo em relação ao que Sicsú aponta esteja se desenvolvendo no Rio Grande do Sul, ainda que haja pouca definição quanto ao futuro do banco público do estado.
O governo, que passa por uma fase de implementação de um pacote de austeridade, tenta negociar as dívidas do estado com a União.
“Uma matéria na imprensa afirmou que a negociação das dívidas do Estado passaria pelo Banrisul. O secretário estadual da Fazenda negou, afirmando que ofereceria três outras empresas: a companhia de energia, a de mineração e a de gás”, afirma Carlso Augusto Rocha, diretor da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Instituições Financeiras do Rio Grande do Sul (Fetrafi-RS) e funcionário do banco.
Apesar da negativa, “isso que está acontecendo agora é cópia fiel do ambiente de 1998, quando o então governador Antônio Brito, também do PMDB e que também negociou a dívida do estado, aceitou o Proer, mas Olívio Dutra [que o sucedeu] não privatizou”, continua Rocha.
Ele explica a importância do banco para a vida dos gaúchos e gaúchas: “O Banrisul apresentou balanço recentemente: R$ 659 milhões de lucro. Ele tem 536 agências pelo estado e país e 698 postos de atendimento, abrangendo 98,5% da população gaúcha. É fundamental o papel do banco na bancarização das pessoas menos abastadas, do pequeno cliente, do pequeno e médio empresário. Em 86 municípios do estado o único banco presente é ele”.
Além disso, a instituição gera ganhos para o governo, “os dividendos que o Banco aufere e repassa ao Estado”. Rocha estima que ao menos metade dos lucros sejam destinados ao estado.
Demissão
Sicsú lembra que, em nível nacional, esse papel é cumprido pela CEF, que promove a “bancarização de pessoas de baixa renda, que vão no banco privado e não conseguem abrir uma conta. Só de tarifa que vão cobrar, nem vale a pena. A Caixa Econômica absorve esse público. É uma função social importantíssima”.
A CEF, entretanto, passa por um processo de redução de seus quadros. Os funcionários da instituição têm recebido e-mails para aderirem a um Plano de Demissão Voluntária Extraordinária. A expectativa da instituição é que cerca de dez mil pessoas entrem no programa.
“De extraordinária só tem o nome. Não há nenhuma vantagem para o trabalhador. Reduz os direitos, é pior que os planos de aposentadoria dos últimos anos”, critica Dionisio Reis Siqueira, diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Segundo ele, a medida vai na contramão das necessidades da instituição: “estamos trabalhando por mais trabalhadores na Caixa há muito tempo”.
Siqueira aponta que em 2015 a CEF havia se comprometido a contratar mais dois mil funcionários. À época, tinha 101 mil quadros. Com planos de aposentadoria antecipada, entretanto, chegou a 2017 com 94 mil empregados.
“As condições de trabalho foram precarizadas e pior, precarizou-se as condições de atendimento”, reclama. A Caixa justifica as reduções sob o argumento de que, hoje, há opção por atendimento digital.
Siqueira, porém, contesta o entendimento da direção da instituição. “É mentira que a população prefere atendimento virtual. O problema é que a outra opção está sendo sucateada. A estratégia é jogar a população contra o banco, da mesma forma que fez com o Banespa. Precariza o atendimento, para depois dizer que tem que privatizar”, prevê.
Agências fechadas
Sob a mesma justificativa – ampliação do atendimento digital -, o Banco do Brasil vem fechando suas agências.
“São 400 agências fechadas, mais outras 300 se tornando postos de atendimento. Eu ouso dizer que foram fechadas 700 agências. Posto de atendimento tem muita limitação: não tem caixa, não faz negociação, não movimenta dinheiro”, constata Carlos de Souza, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf).
Com esses fechamentos, diversos trabalhadores do BB foram alocados em outras funções. A situação, acarretou em perda dos ganhos mensais.
“É uma situação muito triste. O Banco tem uma política de comissionamento, já há algumas décadas acabou-se com o plano de cargos e salários. Isso significa que para alguns funcionários, 70% da renda é comissão”, explica Souza.
O BB esperava que com um plano de aposentadoria incentivada, cerca de 9 mil cargos seriam abertos, possibilitando realocar pessoas que trabalhavam nas agências fechadas. Apesar dos esforços, parte dos funcionários não pode ser remanejada.
“Mais de 3.400 perderam alguma parte de sua renda, algumas perderam o volume total de comissões”, estima Souza, que aponta a necessidade atual de 14 mil novos funcionários para o BB.
Souza também contesta o discurso embasado no atendimento digital: “O Banco fechou agências principalmente em municípios pequenos, no interior. O agricultor, a pessoa da lavoura, muitas vezes não tem acesso. Gera prejuízo para as prefeituras [que perdem as agências]. As pessoas têm que se deslocar até outras cidades para fazer operações bancárias”. Outro dado simbólico:”reduziu-se o número mínimo de caixa por agência para apenas um”.
“Um dos principais objetivos da instituição era a própria agricultura familiar”, lembra Souza. A instituição era responsável por cerca de 70% do financiamento do setor. “Se o Banco do Brasil for desmontado, nós vamos ter um encarecimento da comida na mesa do povo”, complementa Siqueira.
Para o integrante da Contraf, o papel desenvolvido pelos brancos públicos se relaciona às perspectivas governamentais. A proximidade da atual gestão federal – Michel Temer (PMDB) – com a Febraban explicaria parte das mudanças que estão ocorrendo.
“Os objetivos mudaram. A quem interessa o enfraquecimento do Banco do Brasil, que vinha sendo um dos primeiros na concorrência? Ao Itaú, ao Bradesco, não à sociedade brasileira”, finaliza.
Crise
O professor da UFRJ, neste sentido, aponta o passado recente de fortalecimento destes bancos públicos federais. O BB, por exemplo, adquiriu a Nossa Caixa e o Banco do Estado de Santa Catarina. Assim, aumentaram sua importância na economia.
Se o BB é o grande responsável pela agricultura familiar, a CEF é a grande financiadora da habitação. Cerca de 70% do crédito habitacional do país é por ela concedido.
“O programa Minha Casa, Minha Vida é totalmente feito pela Caixa Econômica”, aponta Sicsú. Ele aponta a importância dos bancos públicos para o desenvolvimento econômico: “Todo investimento na área da indústria é exclusivamente feito pelo BNDES, os privados apenas fornecem capital de giro, coisa que o BNDES também faz”.
Medidas como essa, em última instância, recorda o professor, resultam na “geração de empregos”. Além disso, têm um papel importante em políticas de combate a recessão econômica.
“O exemplo mais recente é o da crise de 2008. Enquanto as instituições privadas elevaram a taxa de juros e retraíram o crédito na economia, os bancos públicos fizeram contrário. Ao fazer esse movimento anticíclico, ele reduziram muito o impacto da crise internacional internamente”, rememora.
É por essas peculiaridades, que, na sua opinião, justificam sua manutenção nas mãos do Estado: “Eles não só instrumentos anticíclicos. Eles atuam em áreas que a iniciativa privada não atua. Por exemplo: financiamento de longo prazo para obras de infraestrutura – saneamento, mobilidade urbana. Alguns benefícios sociais, como o bolsa família, são pagos apenas em instituições públicas”.
A reportagem procurou as direções do Banco do Brasil, Caixa, e Banrisul, bem como o governo do Rio Grande do Sul, mas não obteve retorno.