Via Carta Capital
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Brasil não pode se resumir a controlar investimentos públicos. É preciso fazer reformas para retomar a atividade industrial
Desde o fim de 2014, o viés contracionista do ajuste macroeconômico brasileiro buscou oferecer a perspectiva de uma rápida recuperação da confiança dos agentes econômicos através de uma espécie de “austeridade expansionista” tão criticada por Krugman, Stiglitz e outros conhecidos economistas que consideram a importância dos multiplicadores fiscais.
O choque contracionista de 2015, por sua vez, provocou um rápido ajuste das contas externas e mesmo assim a economia brasileira afundou em consonância com a gravidade da crise política.
Mais recentemente, o insuficiente debate sobre a Proposta de Emenda Constitucional de número 55/2016 (PEC 55), aprovada na Câmara como PEC 241, que busca criar um teto para o avanço dos gastos primários em vinte anos, dividiu opiniões.
Em setembro deste ano, a nota técnica de número 28 divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), assinada por Fabiola Vieira e Rodrigo Benevides, apontou que o ajuste focado nas despesas primárias afetará dramaticamente as políticas sociais.
O boletim legislativo de número 53 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, assinado por Ronaldo Jorge Araújo Vieira Junior, em novembro, identificou inconstitucionalidades na proposta do teto de gastos conhecida como “Novo Regime Fiscal”. Um ajuste fiscal não precisa ficar restrito ao controle dos gastos públicos, ainda que ele seja necessário para muitos casos.
Nosso sistema tributário já é bem conhecido pelo seu caráter regressivo, concentrador de renda e riquezas e, conforme aponta o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, com base nos dados da Receita Federal, a sonegação fiscal é da ordem anual de 10% do PIB. Entram nessa conta valores que deveriam ter sido recolhidos nas esferas federal, estadual e municipal, e que são embolsados por algumas firmas.
Da parte dos defensores do novo regime fiscal, escuta-se que a “confiança” já vem melhorando com a perspectiva do ajuste, segundo apontam as diversas sondagens, mas o fato é que ela não está aparecendo nos resultados dos setores acompanhados. Essa mesma confiança tampouco surge nas expectativas de emprego e renda.
Uma perspectiva de crescimento puxado pelas exportações líquidas parece ser algo bem problemático no curto e médio prazo por conta da reprimarização das exportações brasileiras, a perda de complexidade exportadora, e das muitas dificuldades em deslocar competidores industriais de mercados. O cenário global de estagnação secular, de um “novo medíocre” em termos de perspectivas de crescimento, não ajuda a nossa rápida retomada.
Uma matéria da BBC Brasil, de 21 de setembro, apontou que “promissora na década de 1980, a indústria brasileira entrou em declínio e hoje representa apenas pouco mais de 10% do Produto Interno Bruto do país”. A sua perda de participação no PIB desde meados dos anos 1980 é citada na matéria como um caso de desindustrialização precoce, segundo a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad, em inglês). Esse fenômeno foi também observado na América Latina.
A desindustrialização é considerada precoce pela Unctad “quando uma economia não chega a atingir toda sua potencialidade produtiva manufatureira e, em vez de evoluir em direção à indústria de serviços com alto valor agregado – setor terciário -, regride para a agricultura ou cai na informalidade”.
Na avaliação da Unctad, que consta na matéria da BBC, o processo teve início com os choques econômicos vividos nos anos 1980, intensificando-se com a abertura comercial no começo dos anos 1990, seguido pelo abandono das políticas desenvolvimentistas e pelo emprego da taxa de câmbio como ferramenta no combate à inflação. O ciclo de boom das commodities adicionou ilusões às perspectivas de desenvolvimento regional na América Latina.
Na edição de número 752 da Carta do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) há reflexões sobre a importância da indústria e os riscos da desindustrialização prematura. Entre as constatações apresentadas, destaco que o “crescimento da produção de manufaturas alavanca o setor de serviços, ou seja, a atividade manufatureira tem efeitos multiplicadores e de encadeamento sobre os serviços no curto e longo prazo”.
Apoiando-se em trabalhos acadêmicos, o Iedi afirma ainda que o desenvolvimento industrial promove a acumulação de capital e acelera o progresso tecnológico. As consequências negativas da desindustrialização prematura foram apontadas: “o deslocamento do emprego em direção a atividades de baixa produtividade do setor de serviços e do setor primário, bem como o aumento da informalização e da precarização das condições de trabalho e de vida das populações”. A desindustrialização precoce brasileira está correlacionada com a baixa produtividade dos serviços, uma persistente fonte inflacionária em nosso país.
Os acadêmicos César Hidaldo (MIT) e Ricardo Hausmann (Harvard) coordenaram uma instigante pesquisa sobre complexidade econômica e constataram que ela está correlacionada com a produtividade, o grau de desigualdade doméstica e o desenvolvimento dos países.
A complexidade econômica compreende a relação entre diversidade exportadora e não ubiquidade, algo que se assemelha à “exclusividade” de um país na exportação de um produto. Em síntese, o desenvolvimento é o avanço da complexidade. Tanto o Atlas da Complexidade Econômica como o Observatório da Complexidade Econômica encontram-se disponíveis online para consultas.
Para o Brasil, nota-se a sua perda de complexidade exportadora desde 1994, ou seja, de uma perspectiva de price maker, cristalizamos o estado de price taker na economia global. Esse fato repercute no produto potencial e nas baixas perspectivas de mobilidade social.
Em artigo publicado na McKinsey Quarterly (Julho), Chui, Manyika e Miremadi trazem questões relevantes para o debate sobre uma Quarta Revolução Industrial. A automação, a partir de tecnologias de machine learning e robótica, representa papel crescente no nosso cotidiano. O seu potencial para afetar o ambiente de trabalho se tornou objeto de pesquisa e preocupação pública.
A automação deverá eliminar ocupações nas próximas décadas, afetando porções da maioria das atividades laborais em um maior ou menor grau, dependendo do tipo de trabalho. Indo além de tarefas rotineiras nas manufaturas, a automação tem o potencial, pelo menos em relação a sua viabilidade técnica, de transformar setores como saúde e finanças, que envolvem atividades complexas em conhecimento.
Pelo alcance potencial da Quarta Revolução Industrial, esse é um tema que merece um maior acompanhamento da parte dos formuladores de políticas públicas no Brasil. Afinal, a automação poderá ser bem expressiva no futuro próximo e, portanto, gerar efeitos socialmente indesejáveis em um país que sofreu uma regressão tecnológica na sua pauta exportadora e passou por um processo de desindustrialização prematura.
*Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)