Fonte: Brasil de Fato
Uma em cada três medidas de cortes anunciadas pelo governo de Luiz Fernando Pezão (PMDB) vai afetar famílias de baixa renda, que ganham de um a três salários mínimos. Das 18 medidas principais, pelo menos seis delas (Aluguel Social, Renda Melhor, Bilhete Único, Restautante Popular, Gratuidade para moradores de ilhas e reajuste salarial para servidores da segurança pública) afetam diretamente as classes populares.
Um exemplo disso é a família da dona de casa Camila Aparecida Silva Santos, de 31 anos. Ela, o esposo e os três filhos vivem com aluguel social desde que foram removidos, junto com outras 554 famílias, do morro do Alemão em 2010, durante as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). “Nós fomos removidos depois do incêndio de um prédio próximo ao local onde a gente morava. Esse prédio ficou pegando fogo cinco dias. A Defesa Civil disse que a gente precisava sair dessa região porque tinha uma chaminé da antiga fábrica de uma cervejaria que oferecia risco”, conta a dona de casa.
O esposo, operário da construção civil, está desempregado desde que terminaram as obras da Olimpíada. Ele era funcionário da construtora da Transolímpica e ainda não conseguiu receber o seguro desemprego devido a erros que a empresa cometeu na hora de assinar sua carteira de trabalho. Sem salário e com o Aluguel Social atrasado desde setembro, a família corre o risco de ser despejada a qualquer momento. “O prazo que a gente tinha para sair da casa vence essa semana, já que estamos sem receber o Aluguel Social há quase três meses. Liguei na Secretaria de Assistência Social (do governo estadual) e a orientação que recebi foi procurar um abrigo público. Agora, como vou fazer isso com três crianças pequenas?”, questiona a dona de casa, com a voz embargada.
Após a remoção, o governo do estado prometeu a Camila e sua família uma moradia popular que seria construída com recursos do PAC. Posteriormente o acordo passou a ser contemplado pelo programa Minha Casa, Minha Vida. No entanto, o governo não honrou o compromisso e agora anunciou o corte do Aluguel Social. A história de Camila é uma representação do problema econômico e social que vivem muitos cariocas.
Para a Defensoria Pública do Rio de Janeiro o corte do aluguel social é inconstitucional e atenta contra os direitos adquiridos. “Boa parte das famílias que hoje recebe o aluguel social tinham casa e foram tiradas de lá pelo governo do Estado, com a promessa de que seriam reassentadas. Cortar o aluguel dessas famílias pobres é de uma extrema má fé do governo”, aponta a defensora pública Maria Júlia Miranda, coordenadora do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública.
Segundo a defensora, já está tramitando na Justiça, desde agosto, uma ação civil pública que garante os direitos dos beneficiários do aluguel social. O objetivo da ação é regularizar a situação do repasse que já vinha sofrendo atrasos desde maio desse ano. “Temos conseguido os pagamentos só através de arresto judicial”, afirma Maria Júlia Miranda.
Entre os cortes que afetaram as famílias de baixa renda estão o Programa Renda Melhor, que faz parte do Plano de Erradicação da Pobreza Extrema do Rio de Janeiro. O Bilhete Único, que terá redução no valor subsidiado e com isso a passagem com integração passaria de R$6,50 para R$7,50 a partir do dia 1º de janeiro de 2017. Os restaurantes populares, que se não forem assumidos pelas prefeituras, como propõe o governo do estado, correm o risco de acabar. Moradores de Ilha Grande e Paquetá perderão direito à gratuidade das barcas e passarão a pagar uma tarifa de R$2,80. O reajuste de servidores da área de segurança pública que entraria em vigor em 2016 e 2017 passará para 2020. Atualmente soldados recebem R$2.309. E o Aluguel Social que já vem sofrendo atrasos vai acabar a partir de junho de 2017.
Segundo o economista Mauro Osório, a proposta de corte de gastos do governo Pezão é uma proposta “equivocada”. “O ponto central dos gastos não são os programas sociais. O estado gasta muito mais com o pagamento de funcionários do judiciário e do legislativo que estados como São Paulo e Minas Gerais”, argumenta Mauro Osório, que é coordenador do Observatório de Estudo do Rio de Janeiro, ligado à faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
De acordo com dados fornecidos pelo pesquisador da UFRJ, o orçamento gasto com o poder judiciário no estado do Rio de Janeiro equivale a R$239 per capita (valor dividido por habitante). No estado de São Paulo esse valor é de R$188 e em Minas Gerais R$169. Se somados os gastos com legislativo e o Tribunal de Contas o valor representa R$77 per capita no Rio de Janeiro, enquanto em São Paulo são R$29 e Minas R$55. Já em Saúde a ordem muda. O Rio gasta R$ 310 per capita, São Paulo R$482 e Minas R$372.
“Os gastos com a folha de pagamento do judiciário e do legislativo têm muito mais impacto que os programas sociais que o governo quer cortar. Além de ganhar supersalários, juízes, desembargadores e outros servidores da Justiça ainda recebem primeiro. Todos os funcionário públicos deveriam receber o salário no mesmo dia”, critica o pesquisador da UFRJ, Mauro Osório.
O pesquisador também pontua que a queda da receita no Rio de Janeiro exige outras medidas a médio e longo prazo. Para ele, a crise do estado não é um problema só do Rio de Janeiro, mas passa também pelo governo federal. “O Rio de Janeiro não vai conseguir sair sozinho dessa crise. Também temos que considerar que pararam o país para forçar o impeachment da Dilma e isso agravou ainda mais a crise do Rio. E enquanto o governo do estado corta o almoço dos pobres, o governo federal gasta R$500 bilhões com a bolsa banqueiro”, critica o economista, ao se referir aos gastos bilionário com o pagamento dos juros da dívida, que custam aos cofres públicos o equivalente a 45% do orçamento federal, quanto restaurantes populares estão sendo fechados.
Bilhete Único
Além da redução do valor subsidiado pelo estado, já que a passagem do transporte público com integração passará de R$6,50 para R$7,50, o governador Luiz Fernando Pezão quer limitar o valor do benefício do Bilhete Único a R$150 ao mês.
“Mais uma vez o governo quer colocar na conta do trabalhador, o preço da crise e dos problemas que ele mesmo criou com uma péssima administração. O trabalhador informal, que está lá em baixo na base da pirâmide social, é quem será mais impactado com esse aumento do valor da passagem”, destaca o militante do Movimento Passe Livre (MPL), Marlon Rocha.
Além disso, o governo do Rio de Janeiro destinou, até outubro de 2016, R$560 milhões de R$ 4,1bilhões do caixa do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECP) para a manutenção do Bilhete Único. No entanto, esses recursos deveriam ser destinados a famílias de baixa renda, como a de Camila Aparecida Silva Santos, entrevistada no início dessa reportagem. Em vez disso, o governo Pezão propõe o fim de programas sociais que atendem justamente famílias que ganham um salário mínimo, ou seja, o alvo do fundo.
O deputado Marcelo Freixo (Psol) classificou as propostas do governador Pezão de “covardes”. “Esse pacote de maldades do Pezão é uma das coisas mais covardes que tem. São medidas que atingem diretamente a população mais pobre, como se ela fosse a causa do problema financeiro do Estado”, afirmou Freixo, em texto publicado em suas redes sociais.
Edição: Vivian Virissimo