Fonte: Rio on Watch
Esta é a história da minha família do Morro da Providência, que apesar das investidas da Prefeitura ainda consegue permanecer no seu local desde quando aqui chegou. Assim começou a história de Bernardino e Aurora…
Vieram para o Rio de Janeiro em 1942, especificamente para o Morro da Providência onde um conhecido de Bernadino indicou o lugar dentro da possibilidade que ele podia pagar. Bernardino conta aos netos como vieram do Nordeste na época da 2ª Guerra Mundial, de navio, correndo o risco da embarcação ser alvejada por submarinos alemães que atacavam os navios na costa brasileira. Quando chegaram, ele tinha por volta de 32 anos e já era aposentado por conta de um acidente de bonde em Alagoas. Aurora tinha 22 anos. Instalaram-se aqui, se casaram e tiveram 12 filhos.
Em uma casa bem pequena e simples, feita de estuque (madeira e barro), Bernadino iniciou sua história de vida com as dificuldades peculiares do local e da época. Imaginem subir todo o material de construção necessário para construir o que se tem hoje, por uma escadaria íngreme e extensa como é esta da Providência. Para se ter uma ideia, fazia-se uma fileira de familiares e amigos ao longo da escadaria para que fosse possível subir materiais de construção como tijolos, areia e pedra e não ficar cansativo para ninguém. São mais de 70 anos de lutas e dificuldades. Tudo que se tem hoje estabelecido no número 241 da Ladeira do Barroso foi consequência de muito suor, esforço físico e econômico de meu avô e de seus filhos e netos. Não podemos esquecer os muitos amigos e vizinhos que também fazem parte dessa história.
Nesta história, todos os 12 filhos e muitos netos e bisnetos nasceram e foram criados aqui. Atualmente, vivem neste núcleo familiar 4 filhos, 7 netos, 3 bisnetos e suas respectivas esposas, correspondente a 8 famílias. Para dimensionar a situação, quando nos reunimos aqui em datas comemorativas e de fim de ano chegamos a mais ou menos 33 familiares.
Não somos contrários ao progresso no Morro da Providência. Também queremos fazer parte deste progresso tendo um lugar compatível com o que temos hoje, no mesmo local, pois todo o nosso círculo de convivência e de vida está neste bairro, ou seja, escola, mercado, trabalho, igreja, amigos entre outras coisas. Sem contar das dificuldades que temos com alguns de nossos familiares que estão acamados e necessitam de cuidados contínuos e diários.
Propomo-nos a tentar negociar algumas vezes com o Sr. Secretário Municipal de Habitação em nossa casa e na própria SMH e todas essas negociações não saíram do plano das promessas e dos acertos verbais. O que a Prefeitura nos oferece não condiz com as nossas necessidades e exigências. As propostas feitas pela Prefeitura foram: aluguel social temporariamente até a conclusão da construção de prédios residenciais; indenização em moeda corrente; compra assistida pela SMH e moradia em apartamentos bem distantes do nosso bairro, como Santa Cruz, Senador Camará e Bangu.
A proposta de aluguel social é inviável, pois o valor pago pela Prefeitura do aluguel social é bem inferior aos valores de alugueis cobrados na redondeza. Já os valores oferecidos pela prefeitura nas indenizações não são suficientes para comprar nem um quitinete nos arredores da Providência. E a compra assistida já causou e continua causando em uma família moradora da Providência um transtorno sem fim, pois foi feito uma compra de uma posse de um terceiro que não era o atual proprietário e até hoje não chegaram numa solução à respeito. Vale lembrar, a dificuldade que é de encontrar algo habitável e no valor disponível e estipulado pela Prefeitura.
A prefeitura por interesse politico e financeiro, já demoliu algumas casas ao longo da escadaria e quer demolir não só as estruturas do núcleo familiar da nossa família como toda história acumulada até aqui. Somos pessoas que batalhamos pelos nossos direitos como qualquer outro cidadão carioca, queremos igualdade de direito nas questões referentes à moradia. Só quem mora e vive aqui sabe verdadeiramente as necessidades da comunidade. Não adianta subir o morro para construir um teleférico e achar que tudo vai mudar e melhorar. A prefeitura vive dizendo que as obras do Porto Maravilha e do Morar Carioca são para integrar a cidade. A única integração que conseguimos enxergar é a integração entre a cidade e os turistas, pois essas obras não integram e nem vão integrar o cidadão carioca morador desta comunidade e nem de qualquer outra semelhante a essa, pois o interesse do governo municipal não é esse.
Só queremos um imóvel em troca do nosso atual com as mesmas disposições e localização. Chave por chave. Isso não é uma exigência só nossa, e sim de todos os moradores envolvidos nessa luta, ou seja, moradores do Morro da Providência ameaçados pela remoção.
Estas são as reivindicações de todos os moradores do Morro da Providência feitas desde o começo das obras:
- Moradia digna para todos e todas do morro da Providência;
- Informação sobre o projeto da prefeitura para todos os moradores com informativo específico para as oito áreas atingidas;
- Participação da comunidade na definição dos projetos. A voz da comunidade deve ser considerada e sua posição deve ser incorporada nas decisões relativas aos projetos;
- No caso da necessidade de reassentamentos, que estes sejam realizados na área e que o reassentamento seja realizado após a conclusão da construção das habitações, garantindo a troca das chaves;
- No caso de reassentamentos justificados pelo fato da área ser caracterizada como área de risco, reivindica-se um laudo técnico autônomo. Caso este laudo comprove o risco, a comunidade aceita sair para outra área próxima, após a conclusão das novas unidades habitacionais, garantindo-se a troca de chave. Se o laudo não comprovar o risco, a área deve ser urbanizada, garantindo-se a permanência da comunidade.
A intervenção na Providência deve promover, nesta ordem, (1) a permanência dos moradores no seu atual local da moradia; (2) o reassentamento na mesma área; (3) indenizações, nas situações excepcionais, somente quando essa for a opção do morador.