‘A mulher é parte central do mercado de trabalho’, defende presidenta do Dieese

A sindicalista Maria Aparecida Faria falou sobre o impacto da chegada de mulheres em espaços de liderança

Até o final deste ano, o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) seguirá com duas mulheres em seus principais cargos diretivos. A socióloga Adriana Marcolino assumiu a direção técnica da entidade em junho e juntou-se à sindicalista Maria Aparecida Faria, presidenta da entidade desde 2020.

“Nós somos mais de 51% entre todos que compõem a nossa equipe de pesquisadores, educadores, formadores, enfim. E ter a Adriana agora na presidência é uma satisfação muito grande”, afirma a sindicalista, que construiu sua carreira no Sindicato dos Servidores Públicos de Saúde do Estado de São Paulo.

“Toda vez que a gente tem uma mulher assumindo cargos tão importantes e de relevância, como é hoje dirigir o Dieese, isso significa – além do reconhecimento à Adriana, a toda a sua performance ao longo dos anos, à sua preparação no Brasil e sua capacidade – também a valorização das mulheres, que é uma coisa que a gente defende muito, inclusive no Dieese”.

Criado e mantido pelo movimento sindical desde 1955, o Dieese é um instrumento histórico dos sindicatos brasileiros, fornecendo pesquisas, análises e dados cientificamente embasados e confiáveis, sempre a partir da perspectiva da classe trabalhadora.

A inclusão das mulheres faz parte dessa missão. “Toda discussão que a gente faz no mercado de trabalho, todos os estudos sobre o mercado de trabalho, sobre a questão do salário mínimo e sobre o impacto de o trabalhador, enfim, tudo isso, a mulher é parte central no mercado”, afirma Maria, que integra também a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS/CUT).

Na conversa com o BdF Entrevista, ela abordou ainda as barreiras para combater desigualdades no setor público e privado, a lei da igualdade salarial e o debate sobre a valorização das tarefas de cuidado em nossa sociedade, que historicamente sobrecarrega mulheres.

Leia abaixo trechos da conversa e assista a íntegra no vídeo acima:

Brasil de Fato: Com a chegada da Adriana Marcolino para assumir a direção técnica do Dieese, a instituição agora é comandada por mulheres em seus principais cargos diretivos. Qual é a importância dessa movimentação?

Maria Aparecida Faria: No Dieese, entre toda a equipe que trabalha, não só na sede, mas pelo país todo, a grande maioria é composta por mulheres. Nós somos mais de 51% entre todos que compõem a nossa equipe de pesquisadores, educadores, formadores, enfim. E ter a Adriana agora na presidência é uma satisfação muito grande, porque toda vez que a gente tem uma mulher assumindo cargos tão importantes e de relevância, como é hoje dirigir o Dieese do ponto de vista técnico, uma diretora técnica do Dieese, isso significa o reconhecimento à Adriana, o reconhecimento a toda a sua performance ao longo dos anos, à sua preparação no Brasil e à sua capacidade, mas também [significa] a valorização das mulheres, que é uma coisa que a gente defende muito no Dieese. Toda a discussão que a gente faz no mercado de trabalho, todos os estudos sobre o mercado de trabalho, sobre a questão do salário mínimo e sobre o impacto de o trabalhador, enfim, tudo isso, a mulher é parte central no mercado de trabalho.

Então, ter a Adriana agora conosco dirigindo enquanto eu estou presidenta até o final do ano – porque ao final do ano nós teremos uma eleição no Dieese, elegeremos outro presidente ou presidenta que tomará posse em fevereiro. Mas até lá, nós temos essa dobradinha – é uma dobradinha importante e importante. Porque? Porque assim toda a equipe Dieese se manifestou favorável, reconhecendo o papel da Adriana, seu compromisso, sua competência e todos comprometidos também nesse mandato que ela estará lá, presente.

O Dieese só ganha com isso, porque não é qualquer coisa. Essa instituição que tem o seu nome e a sua marca, é tão importante na política brasileira, no movimento sindical brasileiro, e aí ter uma mulher lá no seu comando… Olha, se eu não me engano, a Adriana é a terceira mulher a ser presidenta do Dieese em setenta anos. Então, assim, é uma coisa super importante e que a gente tem que valorizar muito.

E internamente, qual é o impacto dessas mulheres no processo diretivo? Porque isso também vai passando por todos os setores, as decisões são feitas por mulheres.

Sim, é claro. E é importante porque, veja bem, o Dieese é composto de uma direção executiva. E nessa direção executiva, a gente tem a direção política, que é composta pelo movimento sindical, de todas as centrais sindicais, inclusive entidades que não são filiadas a nenhuma central – é bom que se esclareça isso, portanto, ele é bastante amplo.

E a direção técnica, que são pessoas extremamente preparadas, capacitadas, algumas que se formaram no próprio Dieese, entraram jovens e vieram crescendo dentro do Dieese. Então, essa parceria entre a direção técnica e a direção executiva é extremamente importante, porque define a linha do Dieese. A linha de pesquisa, de interesses da classe trabalhadora, os grandes desafios que estão colocados para todos nós.

É muito importante essa parceria que a gente tem, essa confiança que a gente tem. Fazemos reuniões juntos, pautamos juntos. Tanto a direção executiva nos pauta também para a gente se aprimorar, entender melhor enquanto o movimento sindical, para um determinado estudo, uma determinada pesquisa. Como a direção política, que é o movimento sindical, também pauta o Dieese. E as decisões são tomadas de forma muito conjunta, porque são decisões que influenciam o trabalho do Dieese, não só para a classe trabalhadora, mas para a sociedade de forma geral.

E aí nós estamos falando da escola Dieese. Nós temos uma escola maravilhosa no Dieese, também dirigida por uma mulher, a Eliana [Dias, economista e diretora da Escola Dieese de Ciências do Trabalho], nossa querida Lilica. Então, você veja aqui o quanto que as mulheres também vêm se preparando e assumindo determinados postos com muita competência e com muita naturalidade, sem precisar disputar espaço, ao contrário. São reconhecidas e valorizadas pela sua capacidade, pela sua competência, pela sua trajetória também.

Fazendo agora uma pequena mudança de trajeto. Se a gente pegar o serviço público federal como recorte, ainda há uma maioria de homens, em torno de 58%, nos postos de trabalho. Mas se a gente olhar para os últimos ingressos na administração pública, entre 2018 e 2023, o número de mulheres já supera o de homens.  Qual é a tua avaliação sobre essa busca por equidade no serviço público?

É o que a gente sempre defendeu: o serviço público, o concurso público, eles têm uma vantagem, porque isso que nós sempre defendemos, o concurso público não olha gênero, raça, credo e cor. Então ele olha a capacidade de cada um. É verdade que quem mais procurava o concurso público eram os homens, mas muitas mulheres estavam no serviço público. E estão, eu mesmo venho do serviço público. Fui concursada, trabalhei trinta e poucos anos no serviço público. Mas a grande maioria de mulheres ainda não se permitia estar no mercado de trabalho, por diversas situações. Não era nem ter acesso ao concurso, podia ter o acesso, mas as dificuldades de deixar o lar, de deixar a família… [às vezes] são filhos, às vezes é um ente querido que precisa de mais cuidado, um pai e uma mãe, enfim. E isso vem mudando, as mulheres vêm se adaptando a uma situação onde elas possam dividir a tarefa do lar com os seus esposos e ao mesmo tempo acessar o mercado de trabalho, que é uma coisa que a gente defende muito.

A gente faz muita pesquisa sobre isso, da mulher no mercado de trabalho, de acesso ao mercado de trabalho público e privado, da formação das mulheres para isso, da garantia de salário igual para trabalho igual, sem a discriminação de gênero, de raça, de cor.

Então tem todo um movimento que vem sendo feito pelo país. E o Dieese contribui muito para isso com pesquisa e com estudos, para que isso se dê concretamente (não só em documentos) no processo de elaboração de uma lei para que ela seja aprovada, mas no processo de uma negociação também. Uma negociação no serviço público, nas empresas, no comércio, onde for, para que essas sejam cláusula sociais que estejam na convenção coletiva e sejam aprovadas e implementadas.

Então tem todo um aparato que a gente também orienta o movimento sindical. Prepara, forma, qualifica para que, de fato, isso venha cada vez mais acontecendo, esse reconhecimento e a valorização das mulheres no mercado de trabalho.


Fonte: Brasil de Fato | Texto: José Eduardo Bernardes | Edição: Nicolau Soares | Foto: CNTSS/CUT

Pular para o conteúdo