A prisão do general Braga Netto pode representar o início do fim da tutela militar?

Esta prisão traz consigo o simbolismo da afirmação de que os militares não estão acima da lei e devem responder por seus atos, como todos os cidadãos do país

Por Jorge Folena*

A prisão preventiva do general de quatro estrelas Walter Braga Netto representa um forte indicativo de que os golpistas, defensores da última ditadura de 1964-1985, podem não ficar impunes por suas ações criminosas contra o Estado Democrático de Direito, conforme as informações que estão vindo à público, em decorrência das investigações da Polícia Federal.

O general Braga Netto, além de ser um dos homens fortes do governo Bolsonaro, foi o chefe da tragédia militar da intervenção realizada na segurança pública no Estado do Rio de Janeiro, ao longo do governo de Michel Temer. Braga Netto e seu gabinete da intervenção, além de  não terem sido capazes de trazer paz e  segurança para o Rio Janeiro, não tiveram sequer a capacidade de desvendar o assassinato da vereadora Marielle Franco.

Depois do golpe de 2016, que afastou indevidamente a presidenta Dilma Rousseff da presidência da República, começamos a ter conhecimento das articulações para trazer os militares de volta à vida política, sob a liderança ambiciosa do ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas.

Conforme avançam as investigações sobre a tentativa de golpe de estado, especialmente as ações concentradas entre 30/10/2022 e 08/01/2023, vai se revelando a farsa que constitui esse projeto pensado por alguns integrantes da caserna, que tentaram convencer a sociedade de que poderiam governar o país melhor do que os civis, pois seriam mais capazes e honestos, enquanto os outros seriam corruptos e despreparados.

Porém, não foi o que se observou no governo dos militares de Jair Bolsonaro, especialmente durante a pandemia da Covid-19, quando surgiram graves acusações de corrupção contra diversos integrantes das forças armadas, que foram apuradas pela CPI do Senado, tendo se revelado a total incapacidade de gestão do ministério da Saúde, na época comandado por um general de logística.

Este exemplo é mais do que suficiente para demonstrar que os militares não são mais probos nem capacitados do que os civis, ao contrário do que defendiam em seu projeto, que visava seu retorno ao poder por meio das urnas.

A fim de alcançar seu objetivo, os militares atacaram as urnas eletrônicas e usaram o Ministério da Defesa (comandado por um general de quatro estrelas, ex-comandante do Exército e ora também indiciado criminalmente por atentar contra o Estado Democrático de Direito) para questionar a autoridade do Tribunal Superior Eleitoral nas eleições e, por conseguinte, para lançar dúvidas sobre a manifestação da vontade popular, princípio fundamental da formação do Estado brasileiro.

Outro general de quatro estrelas, que chefiou o serviço de informação do governo de Jair Bolsonaro, também está indiciado criminalmente, sob a acusação de comandar um serviço paralelo de bisbilhotagem, a exemplo do que fazia o Serviço Nacional de Informação (SNI) da ditadura de 1964-1985, e em breve poderá ter decretada sua prisão preventiva.

Estes indivíduos sonhavam reintroduzir uma ditadura de linha dura no país e, para atingir sua meta, não hesitaram em planejar assassinatos, a serem executados com a utilização de armas de fogo ou mediante envenenamento, conforme apurado pela Polícia Federal e constante no seu relatório entregue ao Supremo Tribunal Federal.

A tentativa dos militares de retomar o controle do Estado brasileiro, materializada pela tragédia que foi o governo de Bolsonaro, seguida pela farsa da trama golpista por eles promovida, tem na prisão de Walter Braga Neto, na manhã do sábado, 14 de dezembro de 2024, o momento histórico em que uma expressiva liderança do Exército está sendo recolhida à prisão, em cumprimento aos princípios estabelecidos pela ordem democrática de 1988, o que não ocorreu no término da ditadura de 1964-1985.

Esta prisão traz consigo o simbolismo da afirmação de que os militares não estão acima da lei e devem responder por seus atos, como todos os cidadãos do país, que depois do 8 de janeiro de 2023 luta para se afirmar contra o fascismo e o autoritarismo, infelizmente representados pelos militares ao longo de toda a história republicana, em seu anseio de perpetuar seu imaginado “direito de tutela” sobre os civis.

Por todos esses acontecimentos, do presente e do passado, recente ou longínquo, e para que possamos construir um projeto de esperança para o futuro, precisamos refletir sobre a necessidade de refundação da república brasileira, em bases verdadeiramente plurais e democráticas, para que o país finalmente se liberte do autoritarismo e das amarras da tutela dos militares. Para isto, o primeiro passo será a superação do estamento militar na vida política do Brasil.

 


* Folena é advogado e cientista político. Secretário geral do Instituto dos Advogados Brasileiros e Presidente da Comissão de Justiça de Transição e Memória da OAB RJ, Jorge também coordena e apresenta o programa Soberania em Debate, do movimento SOS Brasil Soberano, do Senge RJ.

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