Por Clemente Ganz Lúcio
As transformações em curso no mundo do trabalho indicam um futuro com uma agenda repleta de desafios inéditos que emergem da inteligência artificial e das novas tecnologias, das estratégias de negócio que comporta a terceirização sem limites, da busca incessante de resultados econômicos não compartilhados, ampliados pela crise ambiental e climática devastadora. Tudo junto e misturado a desencadear processos disruptivos nas profissões, nos postos de trabalho, na forma de realizar as atividades laborais, na formação profissional, nos direitos, na saúde, na jornada de trabalho, nos salários, nas relações de trabalho, na representação sindical e na negociação coletiva.
Nessa década e meia futura será imperativo que, cada vez mais o como o faz a cada ano, nos 1º de maio o movimento sindical atualize sua agenda presente para responder aos complexos desafios prospectivos. É possível afirmar que em 2040 um olhar retrospectivo revelará um processo de mudanças sem precedentes.
Considerando a velocidade crescente das transformações com a extensão para todos os setores econômicos e atividades produtivas, com intensidade ininterrupta e encadeamentos complexos, será necessário que o movimento sindical promova um investimento robusto e permanente em termos de pesquisa, análise e estudos, debate propositivo, formulação de estratégias de atuação e formação de dirigentes e assessores. Uma atuação coletiva que deve estar assentada em visão de longo prazo compartilhada entre a classe trabalhadora, com estratégias de atuação para materializar respostas em tempo real – aqui e agora -, que serão sempre provisórias e parciais, porém, necessárias e urgentes, para atuar de forma inteligente na disputa intensa visando à regulação permanente das relações de trabalho no espaço da negociação coletiva. Nesse contexto o movimento sindical terá a tarefa de identificar as lutas eficazes a serem travadas e, delas, derivar o modelo organizativo eficiente para promovê-las.
Mas essa atuação sindical deverá ir muito além, pois o que está em questão, cada vez mais, é a complexa relação entre tecnologia e trabalho e o modelo de vida em sociedade. Qual é a visão que orienta a inovação tecnológica? Elas são invenções humanas, uma criação coletiva orientada para fins e metas, que ampliam nossas capacidades individuas e coletivas e que têm alto impacto sobre a produtividade. O avanço que a ciência permite em termos de inovação será compartilhado? A história está repleta de trajetórias opostas, nas quais, ciência e inovação concentraram renda e poder nas mãos da elite. O compartilhamento, quando veio, foi resultado de uma organização coletiva e para a qual o movimento sindical foi uma base social estruturante.
Para essas lutas se processarem foi essencial outras conquistas que estão no coração da vida sindical, como o direito à liberdade e a democracia. Eleições livres, direito ao voto, partidos, políticas sociais, direitos universais, direito ao trabalho, legislação trabalhista são construções sociais presentes no espaço da luta sindical.
O quê se fará nesse próximo período?
O desafio para a ação sindical será o de promover os meios – força política, capacidade de mobilização, solidariedade e identidade, inventividade propositiva – que forcem a elite a compartilhar os ganhos que virão dos avanços técnicos. A visão da igualdade e o princípio da equidade terão que ganhar concretude distributiva eficiente e responder, ao mesmo tempo, ao estoque de problemas existentes – pobreza, desigualdade, precarização, vulnerabilidade – e aos novos desafios de exclusões que emergem a cada dia.
A tecnologia deveria servir para vivermos melhor, para as pessoas terem melhor qualidade de vida, trabalharem menos, ganharem mais, terem qualidade de saúde, educação, cultura, moradia, transporte. Mas não é isso que acontece.
A visão dominante da inovação tecnológica promove a produção sem precedente de riqueza concentrada. É desastrosa econômica, política e socialmente que as decisões sobre as múltiplas dimensões das inovações tecnológicas se afastem cada vez mais dos interesses coletivos e gerais da sociedade. Estes são intencionalmente atacados e depreciados, substituídos pelo individualismo exacerbado, pela competição, pela guerra, pelo ganho a qualquer custo. O sofrimento do outro ou coletivo é invisibilizado.
A visão presente e dominante é realizar inovação tecnológica para substituir trabalho humano, aumentar coerção e controle e a redução do custo do trabalho. Nessa perspectiva, o resultado será a destruição crescente dos empregos, a disputa pelos postos de trabalho precários, estratégias para resistir à uma forma de vida vulnerável e insegura, a competição para fugir de um mercado de exclusões. O desemprego tecnológico pode se tornar estrutural e irreversível.
Deixado nas mãos das empresas, dos seus executivos e dos investidores, a máquina econômica, social e política está montada para promover riqueza e exclusão sem precedentes.
No 1º de maio de 2024, nas capitais e em centenas de cidades, foram realizados atos, manifestações, caminhadas e muitas atividades culturais, como anualmente se faz. Avaliou-se os avanços conquistados na política nacional, como a valorização do salário mínimo, a lei de igualdade salarial entre mulheres e homens, a retomada da política industrial, entre outros. Foram indicadas as prioridades da Pauta da Classe Trabalhadora, escolhas realizadas para a trajetória de lutas.
O 1º de. Maio de 2040 expressará as escolhas feitas a cada dia nesses próximos anos. O desenvolvimento, como expressão de um padrão de qualidade de vida coletivo, de um modo compartilhado de viver bem com os outros e com a natureza, sempre será resultado das escolhas que fizermos socialmente no espaço da política em sociedades democráticas.
Podemos ter um 2040 um 1º de maio distópico se continuarmos fazendo escolhas que beneficiam a elite. É urgente, desde agora, a cada ano, fazer os 1os de maio serem expressão de uma transformação na base de organização dos trabalhadores e das trabalhadoras.
Para que o 1o de maio de 2040 venha a ser um momento de celebração de conquistas coletivas, o movimento sindical se desafia a inventar e promover respostas aos desafios desse novo mundo do trabalho e dele fazer emergir o poder coletivo cimentado pela solidariedade.
*Clemente Ganz Lúcio é Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020).
Foto: JPRodrigues/MST