Publicação de influenciador indignado com a falta de tempo para o lazer e descanso deu início a um movimento nacional que vem tomando as redes sociais e já acumula quase 310 mil assinaturas em abaixo-assinado dirigido ao Congresso.
“Eu quero saber quando é que nós, a classe trabalhadora, iremos fazer uma revolução nesse país relacionada à escala 6×1. Eu, que não tenho filhos, não consigo fazer as coisas. Imagina quem tem filho, marido, casa para cuidar. A pessoa tem que se doar para a empresa 6 dias na semana e folgar um dia só para ganhar salário mínimo? Não dá. Se a gente não se revoltar e meter o pé na porta, as coisas não vão mudar. É escravidão”.
Não foi a primeira vez que o influenciador digital Rick Azevedo abordou o tema da exploração sofrida pelos trabalhadores. Entre vídeos sobre artistas ou personalidades, situações do cotidiano e notícias do dia, Rick trazia temas políticos e sociais.
Em 13/09, no entanto, o debate colocado por Rick, a escala de seis dias de trabalho com uma folga por semana, encontrou a indignação de muitos outros usuários do TikTok. O vídeo que deu início ao movimento, hoje com 745 mil visualizações, traz uma mensagem clara e direta: é impossível viver de fato trabalhando 6 dias por semana. E a mudança é urgente.
O desabafo do influenciador fez nascer um movimento de trabalhadores contra a escala de trabalho 6×1 no TikTok. Com o alto retorno da publicação sobre o assunto, Rick investiu em mais conteúdo: passou a responder os comentários que defendiam a exploração dos trabalhadores em novos vídeos, explicando a importância da pauta. Em um post, hoje com 365 mil visualizações, falou sobre a importância de sair do comodismo. “Se revoltem. Saiam da zona de conforto, porque ninguém está realmente confortável. A gente não pode ficar só no TikTok. A gente precisa fazer alguma coisa agora”. Em outro, com 110 mil visualizações, pede que os seguidores marquem deputados nos debates.
Ampliação e ação
Em quinze dias, enquanto fazia lives sobre o tema, Rick criou o abaixo-assinado que pede a alteração da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT que hoje conta com quase 310 mil assinaturas.
O texto destaca que “é de conhecimento geral que a jornada de trabalho no Brasil frequentemente ultrapassa os limites razoáveis, com a escala de trabalho 6×1 sendo uma das principais causas de exaustão física e mental dos trabalhadores. A carga horária abusiva imposta por essa escala de trabalho afeta negativamente a qualidade de vida dos empregados, comprometendo sua saúde, bem-estar e relações familiares. Não podemos ignorar que, em um mundo cada vez mais conectado e com avanços tecnológicos, devemos reavaliar as práticas de trabalho que afetam a saúde e o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Trabalhadores saudáveis e satisfeitos são mais produtivos e contribuem para o desenvolvimento sustentável do país”.
A mobilização ganhou força, organizou núcleos em todos os estados do país e se consolidou no movimento Pela Vida Além do Trabalho – VAT. Aproveitando o impulso dos algoritmos e trabalhando com a mobilização digital, o coletivo subiu a hashtag #FimDaEscala6x1 entre os assuntos mais comentados no Twitter em 08/10. Na semana passada, recebeu as falas do ministro do Trabalho, Paulo Marinho, em sessão no Senado, como reforço do que vinham defendendo. “Passou da hora de debatermos uma escala de trabalho reduzida. É preciso que a sociedade se movimente em direção a isso para que o Congresso analise a redução das jornadas sem redução de salários. A economia brasileira suportaria”, destacou o ministro.
Mais descanso para o trabalhador: ministro do Trabalho defende redução de semana útil para 4 dias
Pelas redes, Rick respondeu em um react: “Nosso barulho tem o poder de fazer acontecer. Eles querem uma movimentação popular porque o que traz a mudança é o nosso grito. Porque sem a gente, não tem economia, não tem nada”, ressaltou.
Na semana passada, a deputada Danieli Balbi (PCdoB), presidenta da Comissão de Trabalho, Seguridade Social e Legislação Social da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, declarou, do púlpito da Alerj, seu apoio ao movimento. Balbi destacou a sua importância na luta mais ampla, pela revogação da reforma trabalhista, da previdência, do ensino médio. “O trabalhador tem a única força capaz de produzir. Nosso apoio incondicional a esse movimento. Precisamos caminhar para que as trabalhadoras e trabalhadores tenham uma jornada semanal de quatro dias de trabalho”, destaca Balbi.
@rickazzevedo 🚨FimDaEscala6x1
Orgânico, digital e sindical
A mobilização no mundo digital ainda é um desafio para diferentes setores da esquerda. Com recursos limitados em comparação com a máquina de propaganda e influência digital da direita, movimentos sociais buscam diminuir a distância nas mídias sociais, ainda sem muito sucesso.
É por isso que a mobilização do VAT, absolutamente orgânica, nascida no TikTok, vem chamando a atenção. Relatos coletados nos comentários dos conteúdos são transformados em novos conteúdos, ampliando a voz de pessoas que vivem a superexploração diária na pele. Conteúdos orientando o debate, apontando caminhos para rebater falácias que o capitalismo teima em utilizar para justificar a desumanização do trabalho, também são compartilhados.
Desde 1943, ano em que a CLT foi fundada, não somos devidamente valorizados. Aniquilam nossos sonhos para que eu possa realizar os sonhos de quem eu sirvo, chegam até interromper ou atrasar o nosso descanso. Tiram de nós os momentos com os nossos filhos, 🧵🧶 pic.twitter.com/daaTDKGCMY
— Movimento_VAT (@movimento_vat) October 13, 2023
O VAT integra um esforço mundial que cobra o tempo livre que havia sido prometido pelo avanço das tecnologias em ambientes de trabalho. O discurso de que os computadores, a internet e as máquinas inteligentes facilitariam o cotidiano de trabalhadores a ponto de reduzir o tempo dedicado à produção se provou falso, entregando, na verdade, demissões e lucros cada vez maiores para as empresas. Mas, a mudança nas relações de trabalho forçadas pela pandemia deu novo impulso ao debate.
Segundo Clemente Ganz Lúcio, sociólogo e coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, a pauta da redução de jornadas deverá ser incluída nas negociações entre sindicatos e empresas. Em entrevista à TVT, Clemente destacou que “uma coisa importante que as centrais deverão apresentar para o ano que vem é a inclusão da redução das jornadas de trabalho em todas as campanhas salariais a serem desenvolvidas ao longo do ano. Vão propor que as diferentes categorias, no processo de negociação da data base, coloque na sua pauta a redução da jornada de trabalho e consigam iniciar essa tratativa, agora por meio de acordos e convenções coletivas. Também levarão ao Ministério do Trabalho e Congresso Federal, procurando agendar o debate”, ressaltou.
Texto: Rodrigo Mariano/Senge RJ
Com informações da TVT
Imagem: VAT – Movimento Pela Vida Além do Trabalho