Artigo: Lava Jato e a destruição da ordem constitucional econômica

"É necessário que os integrantes da Força-Tarefa de Curitiba e o ex-juiz federal responsável pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba venham a responder pelos danos causados", escreve o advogado Jorge Folena.

Jorge Folena*

De acordo com o estudo realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a pedido da Central Única dos Trabalhadores (CUT), apresentado em 16/03/2021 (1), a atuação repressiva dos integrantes da Força-Tarefa da Lava Jato de Curitiba causou graves danos à ordem econômica brasileira e levou à ruína diversas empresas genuinamente nacionais, além de arrasar com toda a cadeia de produção e fornecimento constituída ao longo de décadas de duro trabalho no país e no exterior; suas ações prejudicaram consumidores de combustíveis e gás de cozinha, produtos essenciais; e o mais grave: provocaram a perda de milhares de empregos de trabalhadores especializados.

Os principais dados divulgados no estudo demonstram que “a Lava Jato custou a perda de 4,4 milhões de empregos e 3,6% do PIB. O país deixou de arrecadar R$ 47,4 bilhões de impostos e R$ 20,3 bilhões em contribuição sobre a folha, além de ter reduzido a massa salarial do país em R$ 85,8 bilhões”. Além disso, a Lava Jato “afetou os setores envolvidos diretamente (petróleo e gás e construção civil), mas também uma gama importante de outros segmentos (devido aos impactos indiretos e ao efeito renda)”.

A pesquisa demonstra que a Lava Jato destruiu a imagem da Petrobras (maior empresa brasileira), fazendo com que ela sofresse profundas perdas de investimentos a partir de 2014, quando teve início a mencionada operação.

De 2015 a 2017, a Petrobras teve investimentos não realizados de R$ 104,321 bilhões. Neste mesmo período, o setor de engenharia, vital ao desenvolvimento e à soberania nacional (princípio da ordem econômica, previsto no artigo 170 da Constituição), foi completamente desmontado pela Lava Jato, sofrendo perdas na ordem de R$ 67,892 bilhões, totalizando uma redução de investimento no país da ordem de R$ 172,214 bilhões, segundo o estudo.

Em razão da paralisação generalizada de obras e investimentos impulsionados pela Petrobras e o setor de engenharia, de 2014 a 2017 tivemos a perda de 4,4 milhões de empregos.

A Lava Jato atingiu todo o processo de desenvolvimento do país e teve um efeito destrutivo sobre o resultado do Produto Interno Brasileiro (PIB), conforme demonstrou o estudo do Dieese.

O caos gerado pela Lava Jato atingiu em cheio a ordem econômica constitucional, que tem entre seus princípios fundamentais a soberania nacional, a livre iniciativa e a concorrência, a defesa do consumidor, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego.

Os atos articulados e praticados pela organização, composta por Procuradores da República e pelo ex-juiz federal responsável pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, não tiveram a menor acuidade com os princípios constitucionais da ordem econômica e fizeram com que a principal empresa brasileira (Petróleo Brasileiro S/A) fosse destroçada e sucateada, como demonstrou o referido estudo.

Desta forma, a atuação da Lava Jato abriu caminho para que empresas estrangeiras concorrentes pudessem ocupar o espaço da estatal brasileira, que hoje atua sem qualquer compromisso com o país e o povo, inteiramente a serviço do mercado financeiro (sócio minoritário), que determina o destino da empresa, vende seus ativos a baixos preços e oferece combustíveis essenciais à população por preços proibitivos para a realidade nacional.

Além disso, as outrora importantes empresas de engenharia brasileira, que atuavam em todos os continentes, foram igualmente destruídas e sucateadas (2), levando ao desmonte de toda a cadeia econômica (produção, distribuição e consumo).

A paralisação de suas atividades, promovida pela Operação Lava Jato, causou um desemprego gigantesco no setor de petróleo e gás e engenharia e abriu as portas do mercado nacional para empresas estrangeiras (3), que antes eram suas concorrentes, que passaram a ocupar também as posições das empreiteiras brasileiras em outros países, que tinham sido conquistadas ao longo de décadas de árduo trabalho e diplomacia.

A atuação inconsequente da Lava Jato, com nítidas caraterísticas de um projeto político promovido por servidores do Estado brasileiro, possibilitou enfraquecer a soberania nacional (princípio da ordem constitucional econômica) e atingiu frontalmente os princípios constitucionais da livre iniciativa e concorrência e da função social da propriedade.

Nesse ponto, é importante salientar que o argumento de combate à corrupção não pode justificar o desmonte das empresas de engenharia e construção brasileiras, uma vez que os sócios e executivos poderiam ter sido afastados das suas funções para responderem pelas acusações, sendo feita paralelamente a nomeação de gestores, visando à preservação da empresa, que tem na livre iniciativa um dos princípios da ordem constitucional econômica.

A teoria objetiva da empresa, fundada a partir da função social da propriedade, da livre iniciativa e da concorrência, orienta que as grandes corporações empresariais têm vida independente da de seus sócios e gestores, existindo um compromisso firmado diretamente entre elas e a organização social, constituída pelos fornecedores, consumidores e empregados, que impõe a necessidade de sua preservação, como forma de atender ao princípio da ordem econômica que protege essa função social (4).

Ao sufocar as empresas (cujos executivos e sócios poderiam ter sido afastados de suas funções, mediante a nomeação de gestores para prosseguir em sua administração, sem interromper a atividade produtiva), a Lava Jato atentou contra os princípios da ordem econômica (livre iniciativa, livre concorrência e função social da propriedade) e produziu gigantesco caos nessas organizações empresariais e na economia do país como um todo, como demonstra o estudo do Dieese.

Na verdade, por conta de seu projeto político, servidores do Estado optaram pelo vale-tudo também na economia, ao custo da não preservação das empresas e da destruição de toda a cadeia produtiva construída ao longo de décadas de investimentos.

Com efeito, todos foram prejudicados por suas ações: o Brasil, a nossa soberania, a Petrobras, as construtoras, as empresas abruptamente paralisadas, o encadeamento de fornecedores de insumos e serviços, além dos consumidores (pois a defesa do consumidor é um dos princípios da ordem econômica constitucional).

O desmonte da Petrobras tem sido totalmente prejudicial aos consumidores, pois deixou o preço dos combustíveis e do gás de cozinha em patamares proibitivos para a maioria da população.

Neste ponto, não podemos esquecer que, no apogeu da Operação Lava Jato, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, num ato que mais se caracteriza como defesa dos interesses dos acionistas minoritários estrangeiros, propôs ação civil pública contra ex-membros do Conselho de Administração da Petrobras, sob o argumento da estatal ter vendido combustíveis à população com preços subsidiados (5).

Hoje, mesmo o país tendo gigantescas reservas de petróleo e capacidade de refino, os preços de venda praticados pela empresa são equivalentes aos praticados no mercado internacional, assustando a todos pela voracidade com que são majorados e pela absoluta falta de compromisso com a redução das desigualdades regionais e sociais, que são também princípios da ordem constitucional econômica.

No incontrolável desejo de emplacar seu projeto político, a Lava Jato não se preocupou com os milhares de empregos nos segmentos de petróleo, engenharia, construção naval etc., que foram extintos por sua ação irresponsável, como revelou o estudo do Diesse. Os servidores públicos integrantes da Lava Jato não tiveram a menor preocupação com o princípio da ordem constitucional econômica da busca do pleno emprego, uma vez que, em decorrência de suas ações, foram fechados mais de 4 milhões de postos de trabalho no país.

Portanto, como se observa pelos dados apontados acima, a ação da Lava Jato causou graves danos à ordem constitucional econômica brasileira, pois a condução dos trabalhos pelos seus integrantes deu-se em total desacordo com os princípios previstos no artigo 170, I, II, III, IV, V, VII e VIII, da Constituição.

Por todos os desmandos e prejuízos por eles causados, é necessário que os integrantes da Força-Tarefa de Curitiba e o ex-juiz federal responsável pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba venham a responder pelos danos causados às empresas, ao país e aos trabalhadores, diante da condução processual irresponsável e em desacordo com a Constituição Federal, que causou tantos males ao país.

* Jorge Folena é doutor em Ciência Política pelo Iuperj, com pós-doutorado pelo CPDA da UFRRJ, e mestrado em Direito pela UFRJ. Também é diretor de Direitos Humanos da Casa da América Latina. Além de diretor do IAB, integra a coordenação do Movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ).

Notas

1. Dieese. Implicações econômicas Intersetoriais da Operação Lava Jato, São Paulo, 16 mar. 2021
2. “Investigadas na Lava Jato, principais construtoras do país pedem recuperação judicial”.
Disponível em https://esportes.yahoo.com/noticias/construtoras-lava-jato-recuperacao-judicial-221238132.html

3. SANTOS, Altair. Maiores construtoras do mundo pedem passaporte brasileiro. Clube de Engenharia, Rio de Janeiro, 20 dez 2018, disponível em http://portalclubedeengenharia.org.br/2018/12/20/maiores-construtoras-do-mundo-pedem-passaporte-brasileiro/ Acesso em 15 mar 2021
4. OLIVEIRA, Jorge Rubem Folena. A empresa: uma realidade fática e jurídica, Revista de Informação Legislativa do Senado Federal, v. 36, n. 144, p. 111-135, out-dez 1999.
5. “MPF processa 7 ex-conselheiros da Petrobras por não aumentarem gasolina.” Revista Consultor Jurídico, 6 dez 2017. Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-dez-06/mpf-processa-ex-executivos-petrobras-nao-aumentarem-gasolina

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