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Por Marcio Pochmann*
O colapso no padrão de financiamento da economia nacional logo no início da década de 1980, com a crise da dívida externa, levou à adoção de programas de ajustes macroeconômicos que até hoje inviabilizam a retomada plena do crescimento econômico sustentado. No cenário aberto da semi-estagnação que prevaleceu, com fortes e rápidas oscilações nas atividades econômicas, o país terminou por romper com a fase de estruturação da classe trabalhadora vigente durante a dominância da sociedade urbana e industrial.
Desde os anos 1990, com a adoção do receituário neoliberal, o precoce movimento da desindustrialização da economia nacional se generalizou acompanhado do surgimento de uma nova classe trabalhadora de serviços. Isso porque se passou a assistir a expansão considerável do setor terciário, especialmente no âmbito dos pequenos empreendimentos no Brasil, portador de um inédito e crescente precariado de dimensão nacional.
Atualmente, quase 80% dos postos de trabalho existentes pertencem ao setor terciário da economia. E de cada três ocupações abertas no segmento privado não agrícola duas são provenientes dos negócios com até 10 trabalhadores.
Nessa nova classe trabalhadora de serviços em expansão prevalece elevada heterogeneidade, sobretudo nos pequenos empreendimentos que reúnem desde atividades associadas à estratégia de sobrevivência às ocupações tecnologicamente avançadas, com vínculos às grandes empresas nacionais e internacionais.
Por conta disso, o curso da nova classe trabalhadora de serviços assenta-se majoritariamente nas ocupações inseguras e amparadas por baixa remuneração. A realização de reformas neoliberais, em sua segunda versão a partir do governo Temer, liquida com a regulação fordista, desconstituindo o que restava das tradicionais classes médias assalariadas e dos trabalhadores industriais.
Em seu lugar termina por consolidar a geração do novo precariado, portador de intensa polarização social que se expressa pelo espontaneismo de lutas e agressividade das lutas. Cada vez mais, a nova classe trabalhadora de serviços torna-se exposta aos experimentos do uberismo na organização e remuneração da força de trabalho, o que faz com que a regularidade do assalariamento formal e a garantia dos direitos sociais e trabalhistas tendam a se reduzir drasticamente.
Nessa toada, avançam, por exemplo, os contratos de zero hora, cujo trabalho intermitente permanece ativo aguardando demanda do uso da força de trabalho advinda a qualquer momento. O esfacelamento nas organizações de representação dos interesses do mundo do trabalho (associações, sindicatos e partidos) transcorre mediado pela intensificação do grau de exploração do trabalho.
Como os direitos sociais e trabalhistas passam crescentemente a ser tratados pelos empregadores e suas máquinas de agitação e propaganda como fundamentalmente custo, a contratação direta, sem direitos sociais e trabalhistas libera à competição individual no interior da classe trabalhadora em favor dos patrões.
Os sindicatos ficam de fora da negociação coletiva e com restrição maior ao acesso à regulação pública do trabalho (direitos sociais e trabalhistas), o esvaziamento da organização se generaliza pela fragmentação da própria base social e territorial. Mesmo assim, permanecem ainda formas de lutas herdadas da fase de predomínio do novo sindicalismo, com a hierarquia e a estruturação das negociações coletivas de trabalho.
Por conta disso, as greves gerais do ano de 2017 no Brasil não deixaram de expressar certo padrão híbrido de organização e lutas dos trabalhadores, compatível inclusive com as jornadas de mobilização que em 2013 seguiram o processo de “propagação viral” de protestos, conforme também registrado em outros países.
(*) Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Publicado originalmente na Revista do Brasil